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Antes da Tempestade

André Teixeira
Opinião \ domingo, setembro 17, 2023
© Direitos reservados
Neste Outono, de novos ciclos, avanços, retrocessos e esperanças, não nos deixemos distrair do que é importante no meio da cacofonia do moderno.

Com a reabertura do ano político, os dramas que o calor colocou de lado voltam a ter destaque na mente dos portugueses. Desde avaliações sobre o efetivo retorno do festival de verão do catolicismo romano até pré-lançamentos de candidaturas para eleições que ainda estão a anos de distância, passando pelas inevitáveis adivinhações sobre o estado da já assumida bipolar relação entre o chefe de Estado e o chefe de Governo, tudo volta a estar em cima da mesa. Por entre os partidos, temos aqueles que se preparam para apostar fado e futuro nas eleições europeias, aqueles que se preparam para desconsiderar estrategicamente os seus resultados nessas mesmas eleições e aqueles que se esforçam por renovar princípios delineados há décadas, lançando marcas brilhantes e isentas de ismos modernos sobre fundações bafiosas e conhecidas. A vontade de fazer, observar e executar é sem dúvida maravilhosa nesta altura do ano.

Os desafios que temos pela frente não são, porém, minimamente diferentes do que eram há um par de meses atrás. Na habitação, a especulação imobiliária, o domínio dos fundos estrangeiros, a ausência de oferta pública em quantidade e a nossa desconsideração geral pelo direito constitucional à habitação continuam a significar que inúmeros compatriotas não têm onde dormir, estudantes não encontram onde morar e famílias não conseguem pagar os seus empréstimos e rendas. Na educação, o baixo salário dos professores, a contínua desvalorização da profissão docente, a ausência de um plano para usar a escola como formadora de cidadãos e não de autómatos laborais e ainda a falta de investimento geral naquela que deveria ser uma prioridade máxima nacional continua a destruir o vínculo das próximas gerações com o país e com uma visão esperançosa de uma vida melhor. Na saúde, a insistência em apostar nos privados, a falta de compromisso e empatia com os profissionais de saúde, o caos administrativo, a dependência das horas extras e a mera manutenção corrente de um sistema de saúde que deveria receber todo o nosso amor e carinho continuam a criar filas imensas em hospitais sem profissionais suficientes, cujos corredores repletos de queixosos desejam respostas para as suas dores, não desculpas.

Nos salários, o mito da meritocracia e do valor acrescentado do parasitismo, a tendência para desvalorizar o esforço quando este é jovem ou velho e a tradição de mediocridade estrutural mantém os portugueses com pouco dinheiro para gastar, os jovens com vontade de emigrar e os bancos com juros para ganhar. Na guerra, o opressor russo continua em solo roubado, e o invadido ucraniano continua a combater a sua morte, prematura e anunciada por todos aqueles que manifestam raiva ao Ocidente. Nada disto é novo, nada é novidade, e muito mais ficou por mencionar.

Não será uma “simples” descida de impostos que irá resolver estes problemas, por muito apetecível que seja, tendo em conta a necessidade de investir grande quantias em áreas essenciais. Não será um prémio de bom comportamento visando manter os jovens formados nas fronteiras nacionais, eliminando propinas retroativamente e quando menos isso importa, ao invés de respeito e boas oportunidades, que os vinculará à pátria. Não serão análises sobre o teatro presidencial e os seus múltiplos possíveis intervenientes que salvarão a confiança na República. Não será a boa vontade dos organismos europeus que nos irá permitir assegurar a continuidade de uma Europa forte e democrática, chegada uma eleição em que se avizinham pouco mais do que dramas nacionais.

Neste Outono, de novos ciclos, avanços, retrocessos e esperanças, não nos deixemos distrair do que é importante no meio da cacofonia do moderno. Está terminada a pausa antes da tempestade.

[ndr] Artigo originalmente publicado na edição de setembro do Jornal de Guimarães.

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