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Dias de Celebrações e Cemitérios

André Teixeira
Opinião \ sexta-feira, junho 10, 2022
© Direitos reservados
Apenas uma UE forte, independente de recursos russos ou diretivas americanas, num sistema sólido de democracia representativa e de solidariedade entre estados, poderá enfrentar os desafios do futuro.

O dia 9 de maio traz consigo a celebração de dois momentos distintos. Por toda a União Europeia, celebra-se o Dia da Europa, em que Robert Schuman propunha a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, entidade que daria origem à União dos dias de hoje. Já na Rússia e em vários países de leste celebra-se o Dia da Vitória, em que a Alemanha Nazi capitulou oficialmente perante a União Soviética, fechando assim a frente europeia da Segunda Guerra Mundial. A coincidência das celebrações na mesma data não deixa de ser curiosa, especialmente tendo em conta a atual situação internacional.

Estamos num momento de encruzilhada, quer para o projeto europeu de paz e cooperação, inaugurado com a Declaração Schuman em 1950, quer para a Federação Russa, que, a partir de 1945, assumiu como sua uma mitologia de libertação da Europa contra as virulentas forças do fascismo. Não é por acaso que as múltiplas instituições europeias fazem um esforço ativo na celebração desta data, procurando criar um festival de cidadania em torno da sua génese.

A realidade atual da UE é uma de incerteza quanto ao futuro, numa Europa em que as forças de extrema-direita reúnem cada vez mais representação eleitoral, onde a cooperação em matérias essenciais ainda parece longínqua, onde a política externa e de segurança ainda depende, em grande medida, da subordinação ao parceiro americano, onde a maioria dos cidadãos reconhece o valor da União, mas apenas uma minoria se sente verdadeiramente identificada com ela e onde existe uma séria necessidade de união política e democracia.

Neste Dia da Europa, a UE pode afirmar estar a enfrentar crise após crise de cabeça erguida, mas o espectro que a persegue é o de uma escolha binária: ou progresso numa direção federal ou retrocesso para uma UE de zonas e de dependências externas. A sua principal missão, de manutenção de paz e da cooperação para o desenvolvimento, foi em grande parte cumprida, mas, com guerra nas nossas fronteiras e inflação nas nossas carteiras, resta um sentimento no ar de que é impossível viver sem a União, mas também impensável manter um curso de mera manutenção das suas políticas e estruturas.

Este dia encontra também a pátria de Dostoievski numa posição de pária perante a comunidade internacional e em estado de guerra contra uma nação que contava ter derrotado há um mês atrás. A mitologia pintada por Putin de uma Rússia enquanto baluarte contra as potências nazis não passa de uma miragem quando colocada ao lado da sua invasão da Ucrânia e dos seus desastrosos resultados.

Sem espaço para retirar e sem força para assegurar a vitória, o exército russo encontra-se na indesejável posição de ser o vilão da história num momento em que a Rússia celebra o seu momento mais heroico. Apenas aqueles que sofrem da censura e da desinformação de países autoritários ou da cegueira ideológica que vem com a adesão a ultrapassadas doutrinas estalinistas poderão negar a destruição e injustiça causada pela Rússia ou culpabilizar outros pelas suas ações.

A incapacidade da Rússia em terminar um conflito que começou e a dificuldade da União Europeia em enfrentar esse conflito de forma unificada e eficaz demonstram as fragilidades de ambas as estruturas. Não podemos antecipar o final da triste história de exploração da pátria russa por um desprezível autocrata, mas podemos ter a certeza de que apenas uma UE forte, independente de recursos russos ou diretivas americanas, baseada num sistema sólido de democracia representativa e de solidariedade entre estados, poderá enfrentar os desafios do futuro.

Celebremos então as vitórias do passado, sem deixar de procurar uma paz de progresso e não uma de cemitérios e cedências perante sofrimentos alheios, em que é possível festejar tanto a formação da União como a vitória sobre o nazismo sem ter de fazer uma impressionante ginástica mental. 

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