Não porque Devem, mas porque Podem
Passados meses de indefinição temos novamente Governo e Parlamento completamente instalados e funcionais. Esta nova legislatura começa num momento conturbado da nossa história, com uma maioria absoluta socialista que promete um horizonte de estabilidade política doméstica nos próximos quatro anos, mas uma conjuntura internacional que promete desafios sem igual.
Uma maioria como a que Costa detém neste momento pode ser uma oportunidade ou uma maldição. Oportunidade, no sentido em que finalmente se abre a possibilidade de fazer reformas estratégicas que dificilmente se conseguiriam com um parlamento mais distribuído, e maldição, no sentido em que tudo o que de mal ocorrer nesta legislatura será direta ou indiretamente culpa do PS, por ação ou omissão do mesmo.
Desculpas não serão suficientes para os portugueses, se esta oportunidade for desperdiçada por falta de visão ou capacidade operacional, e a presença da ascendente extrema-direita não será capaz de justificar para sempre a continuidade de uma opção governativa vista como insuficiente. Vejamos o caso francês, cujo Presidente incumbente corre o risco de perder para um monstro nacionalista, devido à sua incapacidade de responder à questão de como melhorar efetivamente as vidas dos seus cidadãos.
No seu mais recente livro “Economia de Missão”, Mariana Mazzucato explora o funcionamento e história da missão Apollo 11 como exemplo do que é possível atingir com uma estratégia de gestão pública orientada ao cumprimento de objetivos e missões concretas que mobilizem diversos setores da sociedade e envolvem o público em geral.
Os desafios que temos são demasiados e demasiado complexos para termos um mero executivo de gestão e manutenção. Precisamos de um Estado que seja ousado na sua definição de metas, que assuma o seu papel de orientador e não apenas regulador da economia.
Um Estado que envolva os privados nos seus objetivos sem externalizar o que não deve sair da sua esfera, que seja intransigente no seu respeito pelos preceitos da social-democracia e combata as forças do radicalismo, sem as usar como escudo contra a verdadeira e legítima oposição.
A desestabilização nas relações internacionais causada pela guerra na Ucrânia fez chegar ao fim um período em que considerávamos a paz e a democracia como inevitáveis, inaugurando uma nova corrida às armas e uma polarização do planeta em blocos concorrenciais. Urge reforçar a posição da Europa enquanto bloco capaz de defender o seu estilo de vida, sem perder os seus ideais pelo caminho.
As alterações climáticas não suspenderam a sua atuação, e não podemos deixar que o urgente se sobreponha, em tudo, ao importante. Temos de enfrentar a necessidade de evitar um apocalipse climático e investir fortemente e transversalmente na economia verde e circular, reforçando a nossa capacidade de produção de energia limpa e diminuindo dependências externas. Temos de enfrentar a inflação e a diminuição da capacidade de compra com medidas que neguem a tendência neoliberal de deixar as pessoas sofrer até que as coisas estabilizem.
Temos de defender o Estado Social e assegurar a sua sustentabilidade, procurando cumprir com os preceitos constitucionais de habitação, saúde e dignidade para todos, por agora ainda noções teóricas. Temos de combater o racismo, a misoginia, a discriminação, a apatia e a descrença no sistema democrático, demonstrando com ações e não apenas palavras que estamos dispostos a fazer o que é necessário para avançar, mesmo quando isso é politicamente danoso. Temos de fazer e assumir escolhas difíceis, e temos de as explicar aos cidadãos, sem arrogância ou irritação.
Há de facto muito a fazer, e que pode ser feito, com esta janela de estabilidade que se nos apresentou. Enquanto português e socialista estou à espera de ousadia, inovação e, acima de tudo, ação por parte deste novo executivo. Manutenção, continuidade e uma gestão de crise a crise não serão suficientes desta vez, por muito que tenham funcionado até agora. Costa, o seu Governo e a sua bancada parlamentar têm a oportunidade de elevar, e não apenas continuar, o nosso país. Pelo bem de todos, espero que tenham a visão e capacidade suficientes para o fazer, não apenas porque devem, mas porque finalmente podem.