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O espectro da inflação que assola a Europa

André Teixeira
Opinião \ segunda-feira, junho 27, 2022
© Direitos reservados
A ligação arcaica do esforço à sobrevivência não permite justiça social. Precisamos de ideias novas como rendimentos básicos, heranças universais e participação dos trabalhadores na gestão.

A onda de calor do início deste verão trouxe com ela a inflação. Este misterioso fenómeno, que faz tremer o mais corajoso dos economistas, nada mais é do que um aumento generalizado dos preços de bens e serviços. Colocando de outro modo, a inflação faz com que o nosso dinheiro dê para comprar menos coisas, e, como tal, ficamos mais pobres.

Esta diminuição do valor da moeda pode ter muitas causas, sendo as mais prováveis neste momento os preços mais altos dos produtos energéticos como o petróleo e o gás natural, a reabertura da economia pós-restrições pandémicas e a trágica guerra na Ucrânia.

A realidade é simples: sem um aumento generalizado de rendimentos, os portugueses estarão significativamente mais pobres no final deste verão do que no seu início. A subida da inflação terá particular impacto nos mais jovens e nos mais desfavorecidos, que ao contrário dos mais velhos não têm outras fontes de capital.

Nos segundos, porque quem conta cuidadosamente os seus tostões para chegar ao fim do mês descobrirá uma tendencial dificuldade em adquirir o suficiente para si e o para os seus, condenando inúmeras famílias à pobreza. Nos primeiros, porque com os preços de habitação monstruosamente elevados, a dificuldade de entrada no mercado de trabalho e a tolerância perante situações laborais exploratórias, a emancipação dos jovens através do fruto do seu labor ficará num estado ainda pior do que a lástima em que se encontra.

Se já é inviável a um jovem adquirir uma casa e fundar família, ainda será pior se os seus poucos euros valerem menos. Desenganem-se aqueles que pensam que o mercado habitacional se encontra seguro fora de Lisboa, que é tristemente a terceira cidade mais cara do mundo para se viver. É já impossível a um jovem de classe média arranjar habitação em Guimarães sem o auxílio dos familiares. Conjuntamente com o aumento dos preços de refeições e de transportes, estamos a olhar para um cenário em que a própria continuidade da atividade de muitos estudantes se encontra ameaçada.

A semana de quatro dias de trabalho e o aumento drástico de salários no privado continuarão a ser sonhos se as autoridades públicas não tomarem ações assertivas; relembro que a nossa função pública sofreu das piores quebras salariais da Europa, estando os nossos funcionários públicos a receber drasticamente abaixo do que já receberam e os nossos serviços públicos em ponto de rutura por ausência de mais efetivos.

A situação do setor turístico é paradigmática: habituado a verdadeira exploração através de salários insultuosamente baixos, o setor está agora simultaneamente com dificuldade em arranjar mão de obra devido aos salários que pratica e em aumentar salários devido aos preços que mantém. A vil solução que sugere é a importação de estrangeiros precários. Que podemos então fazer, num momento em que estamos no meio de uma guerra e ainda a sair de uma pandemia? No curto prazo, temos de assegurar que as pessoas têm mais rendimentos para acompanhar a subida dos preços, combatendo a utilização da velha estratégia da direita de matar a inflação através de um empobrecimento tal da população que cause a descida dos preços por ausência de consumo.

No longo prazo, temos de repensar o nosso sistema laboral, cuja ligação arcaica do esforço à sobrevivência não permite justiça social num mundo globalizado. Precisamos de ideias novas como rendimentos básicos, heranças universais e participação dos trabalhadores na gestão. Acima de tudo, precisamos de políticas económicas europeias solidárias para salvar as nossas economias interdependentes. Ideias de uma esquerda realista e internacionalista, em suma, caídas em desuso pela brilhante e fria promessa neoliberal de um mundo onde basta liberdade de capital e trabalho árduo para o dinheiro cair nos bolsos de quem mais precisa.   

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