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O Estado da Nossa Inteligência

André Teixeira
Opinião \ sexta-feira, novembro 15, 2024
© Direitos reservados
Entre campanhas de desinformação dirigidas a eleições e referendos, manipulação de audiovisual que torna impossível confiar até nos meios de comunicação social mais reputados... Urge agir.

A febre da Inteligência Artificial (IA) atingiu o mundo. Desde a geração de texto à publicidade personalizada, a utilização da IA tornou-se comum num momento onde todos andamos com supercomputadores nos bolsos. Historicamente, todas as novas tecnologias têm riscos inerentes e criam mudanças sociais e políticas. Se, no entanto, o impacto aumentar com o potencial, então a IA terá o maior impacto que alguma vez vimos desde a introdução da internet. Diz-se frequentemente que a política é demorada na adaptação à tecnologia, mas a última década provou de forma clara a necessidade de legislar o uso de uma ferramenta que pode facilmente ser utilizada para destruir o nosso modelo de democracia liberal. Entre campanhas de desinformação dirigidas a eleições e referendos, ondas de desemprego causadas por transições difíceis no mercado de trabalho, manipulação de audiovisual que torna impossível confiar até nos meios de comunicação social mais reputados, e redes sociais que criam bolhas cognitivas destrutivas e transformam os utilizadores em produtos, os perigos da utilização da IA de forma desregrada estão a tornar-se cada vez mais claros. Urge agir, portanto.

A mais relevante das iniciativas modernas relacionadas com a regulação da IA é, provavelmente, o “AI Act” da União Europeia (UE). Após a sua proposta inicial pela Comissão Europeia, a lei foi finalmente aprovada pelos restantes órgãos da UE em Maio de 2024. Este é o primeiro esforço legislativo que procura explicitamente abordar os principais efeitos e perturbações que a IA causa e continuará a causar nas nossas vidas. Os seus efeitos não podem ser subestimados, especialmente tendo em conta o potencial de “soft power” que a UE possui através da sua rede de programas e relações comerciais. À semelhança do impacto do Regulamento Geral de Proteção de Dados de 2018, este documento tem o potencial de estabelecer uma referência global, moldando a forma como a IA é tratada legalmente por todo o mundo. A Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre IA é outro exemplo notável de avanço na regulamentação do setor, ainda que numa escala diferente. Adotada também em Maio, é o primeiro tratado internacional juridicamente vinculativo neste domínio. Embora tenha limitações notáveis e só se aplique às partes signatárias que desejem ficar vinculadas pelo seu conteúdo, não deixa de ser uma iniciativa impressionante com signatários de todo o mundo.

Embora existam muitas semelhanças entre as duas, a sua natureza é diferente. A abordagem da EU destaca-se pelo foco no mercado, típico da legislação da UE, oferecendo diretrizes regulamentares claras que criam um ambiente seguro e favorável à inovação empresarial, salvaguardando simultaneamente os direitos dos consumidores. Por outro lado, a Convenção-Quadro tem um âmbito mais vasto, com a sua principal força enraizada numa forte ênfase nos direitos humanos, na democracia e no Estado de Direito, indo além das preocupações económicas, para garantir que os sistemas de IA respeitam os direitos fundamentais.

No século XIX, a industrialização estimulou um crescimento económico maciço, mas também introduziu os tanques, as metralhadoras e o gás mostarda nas forças armadas. Os computadores transformaram a forma como as pessoas trabalham, aprendem e comunicam, mas também expuseram sistemas sociais tipicamente isolados a ciberataques anónimos. A IA irá provocar mudanças semelhantes, potencialmente promovendo crescimento económico e a melhoria da vida quotidiana. No entanto, como qualquer nova tecnologia, a IA tem um lado sombrio. Abordar os seus riscos, agora, é essencial para garantir que a Humanidade colha os benefícios, e não as tragédias, desta Inteligência. Descartando as narrativas fantasiosas de máquinas pensantes a dominar o mundo propagadas pela cultura pop, estes perigos são assustadoramente contemporâneos. A IA terá consequências palpáveis nas nossas vidas, alterando a forma como fazemos guerra, forçando a reconsideração dos atuais modelos de trabalho e de segurança social, e impactando a forma como consumimos informação, transformando radical e perigosamente mete o nosso sistema de crenças e pensamento. Cabe-nos a nós decidir se esse impacto será positivo ou não, e a dúvida e a procrastinação não nos levarão longe. Sabemos que o fantasma da máquina está vivo e de boa saúde, pelo que é mais do que tempo de regular e tomar a Inteligência Artificial pelo que ela é: não uma caixinha mágica capaz de resolver os nossos problemas sociais, políticos e estruturais, mas uma ferramenta particularmente útil e perigosa, a ser utilizada e moldada por nós, bons, velhos e imperfeitos seres humanos.

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