Oásis parlamentares e caminhadas pelo deserto
As eleições do passado janeiro deixaram o país em alvoroço, sendo inevitável gastar algumas palavras com elas. Uma maioria absoluta do Partido Socialista virou o tabuleiro e deu a António Costa o fôlego que precisava para assegurar a sua herança, deixando Rui Rio politicamente morto, apesar da sua vitória nas eleições internas. Poucos antecipavam tal resultado, não me incluindo eu nesses visionários. O chumbo do orçamento, conjugado com sondagens que indicavam uma possível vitória da direita, deram a Costa aquilo que aparentemente tão poucos desejavam.
Este tem agora a grande responsabilidade de fazer uso da confiança depositada, apostando no progresso e evolução do país e não apenas na manutenção das estruturas de poder. Está por ver se o PS irá procurar ser verdadeiramente transformador ou se simplesmente se conformará com o reforço do seu caminho atual, que apesar de preferível a qualquer outro, assume uma relativa falta de ambição.
À esquerda do PS, poucos saem a sorrir, sendo uma inegável vitória para qualquer simpatizante da esquerda europeísta e verde ter Rui Tavares no Parlamento, apesar de estar ainda por confirmar a capacidade que este terá de influenciar a agenda com a sua voz solitária. Já o Bloco de Esquerda e o PCP encontraram-se em rumos descendentes bem distintos, facilitados pelo seu chumbo tático do orçamento e por uma campanha onde não conseguiram afastar o fantasma de um governo de direita, que não contribuiriam para derrotar.
O espaço político do Bloco sempre foi bastante urbano e limitado, apelando a uma minoria de esquerda radical, vocal e insatisfeita com o estado das coisas. O sangramento de eleitores para o PS significa que terão de se reposicionar e de decidir se querem ser um partido que intervém na construção de soluções governativas ou um partido de protesto focado na defesa de causas específicas. O saudoso PCP, que se viu forçado a despir as suas ténues vestes Verdes, continua com o envelhecimento que partilha com muitos dos seus eleitores, tendo dificuldade em justificar a sua existência numa realidade onde os atuais trabalhadores e operários pouco têm a ver com a sua encarnação do século passado.
Todos perdemos sem um PCP reivindicativo, por mais incomodativo que possa ser para alguns, cabendo aos comunistas perceber que as opções são mudar ou definhar. Já o PAN, partido animalista sem qualquer legitimidade de se afirmar defensor da natureza, viu-se relegado a um papel menor que reflete a sua recente atuação. Toda a esquerda tem portanto de pensar o que quer ser, para evitar um desastre futuro, fruto da dificuldade em comunicar aos cidadãos uma visão credível de um amanhã melhor.
Já a direita enfrenta uma crise de identidade que colheu mortalmente desde já o CDS, mas que poderá ser ainda mais mortífera se o PSD não for capaz de se reafirmar. Sem amarras nascidas da história ou da tradição republicana, o Chega e a Iniciativa Liberal capitalizaram com a dificuldade de explicar ao eleitorado que um estado mínimo e anárquico ou um autoritário e discriminatório não são opções viáveis e civilizadas.
Na travessia pelo deserto que o PSD terá de enfrentar, ao longo de um mandato onde se verá no papel da mais convencional das oposições, espero honestamente que seja capaz de recuperar a social-democracia que há muito detém apenas em nome. Precisamos de uma direita democrática forte, que afaste o cheiro a chauvinismo que inunda o lado direito do parlamento, para que quando o dia chegar em que a esquerda perca as eleições, não fiquemos à mercê de monstros que nos tentem habituar à ausência de civilização e de civismo. Afinal, todos somos valiosos em democracia, exceto aqueles que tentam destruir este nosso oásis parlamentar.