Os Impérios Digitais da Comunicação
Os grandes vencedores da revolução digital são, sem dúvida alguma, os gigantes tecnológicos que controlam a rede. Empresas como a Microsoft, Apple, Amazon, Google e Facebook dominam o mercado de uma forma tão vertiginosa que passa efetivamente desapercebida. Na última década estas empresas viram o seu lucro e o seu controlo da rede crescer exponencialmente. A Apple e a Google fornecem a maioria dos sistemas operativos móveis, o Facebook fornece as redes sociais e os mecanismos de comunicação mais populares e todos, especialmente a Amazon, beneficiam dos frutos do comércio digital. Destas, o Facebook suporta uma enormidade de serviços e funcionalidades que hoje em dia são essenciais para muitas pessoas, sendo o detentor das principais redes sociais e plataformas de comunicação. Em muitos locais do planeta, e para muitos dos seus 2,7 biliões diários de utilizadores, o Facebook é a totalidade da internet, quer por habituação, quer porque as escolhas são limitadas. O seu domínio sobre o mercado é tal que a TenCent, braço armado tecnológico do estado chinês, procurou desenvolver e centralizar todas essas funcionalidades na sua aplicação WeChat, percebendo o perigo de deixar tantos serviços em mãos americanas, e o poder que teria sobre os seus cidadãos se os detivesse nas suas próprias mãos.
No início deste mês vimos o poderoso império digital de Zuckerberg cambalear face a dois acontecimentos. Em primeiro lugar tivemos o apagão de todos os serviços do Facebook durante seis horas, causado por uma atualização interna, durante as quais nenhumas das plataformas da empresa estiveram disponíveis. Estas parcas horas em que não tivemos acesso criaram o caos, impedindo milhões de comunicar entre si, de prosseguir com os seus negócios ou de aceder a serviços que utilizam a infraestrutura e autenticação do Facebook como base. Durante seis horas, e com a restante internet a funcionar perfeitamente, senti-me isolado e frustrado por não poder falar com o mundo. Em segundo lugar tivemos as declarações de Frances Haugen, antiga funcionária da empresa, que se fez acompanhar na saída por inúmeros documentos que veio apresentar ao público. Qual delatora em fuga de uma grande potência, Frances afirmou que a empresa tem total consciência dos seus efeitos nocivos na democracia e na saúde mental dos seus utilizadores, tendo inclusive realizado estudos sobre o assunto. Um deles concluiu, por exemplo, que o Instagram contribui para a depressão e desenvolvimento de pensamentos suicidas em 13.5% das raparigas adolescentes que o usam. Os documentos desenvolvem várias possíveis soluções para a questão, tendo estas sido ignoradas por Zuckerberg, que segundo Frances mantém uma política de lucro acima de qualquer outra preocupação. O empresário nega todas as alegações, naturalmente.
Que conseguimos retirar de tudo isto? Em primeiro lugar, que é demasiado perigoso delegar toda a infraestrutura de comunicação digital num par de empresas solitárias, cuja queda acidental ou intencional pode significar a impossibilidade de manter ligadas biliões de pessoas e funcionais milhões de negócios. Em segundo, que a ideia de que os gigantes tecnológicos são capazes de autorregulação em nome do bem comum está claramente ultrapassada, sendo mais do que tempo de deixarmos de acreditar na boa-fé de companhias que estão, naturalmente, orientadas única e exclusivamente para o lucro. Sem controlos democráticos e a imposição de medidas como controlo editorial próprio e responsabilização pelos conteúdos suportados dificilmente nos veremos livres do totalitarismo algorítmico que decide o que biliões de pessoas veem e pensam sem que estas sequer reparem. Não querendo parecer dramático, há que deitar abaixo estes impérios digitais da comunicação, que nem a concorrência capitalista parecem respeitar. Não há lugar na democracia para imperadores, mesmo que digitais.