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Padecer de Turismo Crónico

André Teixeira
Opinião \ segunda-feira, junho 19, 2023
© Direitos reservados
Impõe-se, porém, criticar a escolha silenciosa que fizemos ao depositar toda a nossa estratégia de futuro numa indústria errática, imprevisível e que não permite investir nos nossos próprios cidadãos.

Portugal tem um problema crónico de turismo. Com altos níveis de segurança, baixa conflitualidade social, relativa abertura à diferença, excelente comida e um magnífico clima, não é novidade para ninguém que o nosso país tem todas as qualidades necessárias para atrair quantidades significativas de visitantes. O turismo traz consigo movimento, impostos, desenvolvimento, emprego e receitas avultadas, que, só em 2022, totalizaram mais de 22 mil milhões de euros.

Dito isto, e não ignorando todo o bem que o turismo pode trazer, é inegável o mal que a dependência desproporcionada deste setor económico pode trazer a Portugal. A realidade é que o turismo é uma atividade de baixo valor acrescentado, que não permite desenvolvimento social e cujos frutos são desigualmente distribuídos ou direcionados para o exterior. Os empregos criados pelo turismo são mal remunerados e muitas vezes temporários ou sazonais, encorajando a precariedade e impedindo a estabilidade ou progressão das carreiras. Investir no turismo enquanto alavanca económica do país implica investir em indústria, produção e serviços que não melhoram a vida dos cidadãos, implicando a aposta no alojamento temporário, entretenimento e serviços que não são interessantes ou acessíveis às pessoas que efetivamente cá habitam.

As massas de turistas que assolam as nossas ruas, campos e praias causam poluição devastadora, provocam o aumento de preços em todas as áreas que tocam e impedem os portugueses de aproveitar as valências das suas localidades. Mesmo as tentativas de atrair nómadas de longa duração, com apoios e programas fiscais, criam uma absurda injustiça para com aqueles que já cá residem e nada recebem, para além de encorajarem uma subida de preços que não é acompanhada pela subida de salários locais. Em nenhum setor isto é mais presente que na habitação, cuja atratividade para alojamento local, obtenção de visto de residência ou investimento em capital imobiliário orienta o mercado para o foco nos estrangeiros e não nos nacionais. Simplificando, os portugueses não têm dinheiro para viver em Portugal, porque os preços alcançam valores que apenas estrangeiros, especuladores ou grandes empresas estão dispostas a pagar.  

Um problema que apenas se sentia em Lisboa alastrou-se a todo o país, inclusive a Guimarães, onde o preço de um T3 no centro da cidade pode atingir mais de meio milhão de euros. Com preços assim e ausência de investimento público na habitação, como pode uma família média subsistir ou usufruir da sua cidade?

A desertificação e gentrificação são, portanto, consequências naturais do turismo, que explora o complexo de inferioridade português para agradar ao estrangeiro de bolso cheio. Este complexo, transformado em estratégia por décadas de concertação política, faz-nos acreditar que nada temos para oferecer ao mundo para além de um local onde comer bem e sentir o sol, e que, portanto, mais vale orientar a nossa economia para sugar até ao tutano o visitante bem intencionado. Este pensamento trágico normaliza a consistente e dramática transferência de rendimentos do cidadão para o proprietário, do trabalhador para a multinacional, do negócio local para a banca.

Não é meu objetivo criticar aqueles que viajam ou que trabalham na área. Gosto de fazer turismo como qualquer outra pessoa. Impõe-se, porém, criticar a escolha silenciosa que fizemos ao depositar toda a nossa estratégia de futuro numa indústria errática, imprevisível e que não permite investir nos nossos próprios cidadãos. Com um mercado imobiliário desajustado, uma ausência de política industrial ou agrícola racional, uma completa dependência estratégica em produtos de primeira linha e salários mínimo e médio mais baixos do que os dos nossos congéneres europeus, urge pensar o desenvolvimento do país como um todo, não como um casino à beira-mar.

A economia cresce, o que é bom e importante. Mas não podemos permitir que tal ocorra sem benefício do grosso da população e sem aumentar as suas condições de vida. Controlar o turismo é uma necessidade, se queremos proteger a sustentabilidade dos recursos nacionais que o potenciam. Não será investindo no turismo que salvaremos a Educação, a Saúde, o Ambiente e a Justiça, ou que promoveremos a Igualdade. Se o primeiro passo para lidar com um problema é assumir que ele existe, então está mais do que na altura de o declarar: Portugal é um paraíso turístico e tal não pode continuar.

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