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“Para quê tudo isto?…”

Filipe Fontes
Opinião \ sábado, outubro 22, 2022
© Direitos reservados
Porque não somos capazes de nos distanciar dos nossos interesses específicos e dos nossos desejos, concentramo-nos no resultado e esquecemo-nos do que estamos a tratar, a estudar e a decidir.

Há características que são inatas, outras que são herdadas. Outras há que resultam de alimento e trabalho e outras que mais não são do que o desacerto e o acaso que a vida proporciona.

Somo nós e a nossa circunstância, o passado que fomos capazes de viver, o presente que construimos e o futuro que melhor soubermos preparar.

Há muito que se identifica uma característica indissociável da nação portuguesa e que, sem grande rigor semântico, se denomina de voluntarismo e se qualifica de inconsequente.

Voluntarismo enquanto impulso de tudo agregar, juntar, fazer e poder. Voluntarismo como promessa de tudo alcançar, mesmo que, tantas e tantas vezes, não se chegue a partir ou pouco percorrer. Inconsequente porque, na verdade e simplesmente, leva a nenhures, que o mesmo será dizer , não se repercute em benefício ou ventos favoráveis.

Em Portugal, a forma como se trata os ditos grandes projectos ou projectos estruturantes ou infraestruturas fundamentais é disso exemplo, demonstrando-se através destes de que, ao tudo atender e valorizar, tergiversamos e adiamos, num processo soluçado que acarreta trabalho e energia, talento e dinheiro, não muitas vezes com resultados mais do que parcos.

O “novo” aeroporto “de Lisboa” e a ferrovia “de alta velocidade” são, hoje, cabeça de cartaz desta realidade, visibilizando o quanto temos dificuldade em perceber a natureza das intervenções e os respectivos objectivos, escala e abrangência, o quanto nos focamos na forma, a todos responder e satisfazer, nunca abdicando do famoso e indisfarçavel “consenso generalizado e debate alargado”. Na verdade, nunca se discutiu o suficiente, não se estudou o necessário, sempre surge alguém insatisfeito ou com ideia diferenciada que “merece ser testada e ponderada”.

Depois de tanto tempo, tantos anos e décadas de estudos e relatórios, hipóteses e testes, o “novo aeroporto de Lisboa” vai ser alvo de novo trabalho análitico e reflexivo, comparativo de hipóteses e possíveis soluções, agora incrementado com mais uma novidade – Santarém!

Ota, Rio Frio, Alverca, Montijo, Alcochete, o próprio aeroporto existente, tenuemente Beja, e mais se houver, foram e são hipóteses para abarcar a nova infrestrutura aérea ou complementar, para reduzir ou eliminar a actividade de um aeroporto inserido em plena área central de uma grande urbe e, aparentemente, desperdiçar a capacidade instalada de outros. Discute-se localizações, tergiversa-se decisões, contrapõe-se análises, não se compreende como tantos e tantos especialistas (e sendo a técnica suficientemente objectiva) não convergem em conhecimento analítico equilíbrado, porque, na verdade, ainda não definimos a essência do projecto: o que necessitamos e o que queremos? Onde queremos chegar e abranger? Afinal, a escala e a abragência da intervenção que nos permitirá posicionar no mundo e fará desta infraestrutura tão mais eficaz e atractiva.

Sem a definição da natureza e escala, âmbito e abrangência, discutimos e estudamos soluções e localizações em exercícios sucessivos que nunca chegarão a satisfazer o “consenso generalizado e o debate alargado”, já que estes… alimentam-se a si próprios!

O transporte de grande velocidade (TGV) é desta realidade outro exemplo, não tanto sobre a sua definição e natureza – porque é unânime constituir transporte macro e rápido de ligação e estruturação ferroviária entre grandes urbes – mas (novamente) por causa da sua escala e abrangência, tratando-se o mesmo quase como um transporte de ligação regional, exigindo-se paragens em tantos locais que duvida-se da sua real capacidade de velocidade superiormente diferenciada, quase que arriscando-se a dizer que, tantas são, que o TGV antes de partir já parou…

Porque não somos capazes de nos distanciar dos nossos interesses específicos e dos nossos desejos, concentramo-nos no resultado e esquecemo-nos do que estamos a tratar, a estudar e a decidir. E, não raras vezes, nas poucas vezes que conseguimos chegar ao fim, constatamos que, tantas e tantas vezes, ficamos aquém, ou ao lado, da “essência da coisa”. Não se trata de viver da aparência, antes não ser capaz de ver para além da aparência. Não se trata de não ser capaz, antes de não ser imparcial e distante. Não se trata de não decidir, antes de assumir que não há soluções ideiais, nem caminho sem perdas ou dificuldades. Afinal, trata-se de ser capaz de fazer caminho procurando sempre fazer o melhor. É isso que todos exigem a todos. E que todos têm a obrigação de alimentar e cultivar.

Ao responder ao “o quê”, vou antecipar e preparar o “porquê”. Se souber o “porquê”, vou perceber o “para quê” e este ajudará a enquadrar o “quando e onde”, reunindo condições para definir o “como”. E tudo conjugar com a vontade e o desejo, com a opção, num equilíbrio exigente que informará e formará a decisão. Assim não haja medo de a tomar e assumir, transformando este voluntarismo inconsequente em voluntarismo com rasto e lastro, com futuro e de futuro!

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