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Pax Americana

André Teixeira
Opinião \ quinta-feira, março 21, 2024
© Direitos reservados
Não tenhamos ilusões: a retirada e enfraquecimento dos EUA, refletidas nas eleições presidenciais que se aproximam, terão graves consequências para todos nós.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e especialmente após o colapso da União Soviética, os Estados Unidos da América assumiram o papel de guardiães da ordem mundial. Esta seria uma ordem capitalista e democrática, baseada em regras e relações multilaterais, que favoreceria os EUA sem nunca deixar de defender a paz, o progresso e o enriquecimento dos diferentes povos e nações. Os EUA assumiram este papel não por mero altruísmo, mas por acreditarem que um mundo de nações com valores similares aos seus, operando através de instituições criadas por si e mantidas através dos seus exércitos, seria naturalmente favorável aos seus interesses. Apesar de todas as hipocrisias, desigualdades, erros e injustiças, a chamada “Pax Americana” deu origem ao período mais próspero e seguro da história da humanidade. A emancipação do humano viria através do comércio livre, que traria consigo o sistema democrático e asseguraria a eliminação progressiva da guerra, da autocracia e do iliberalismo. Esta premissa, válida durante décadas, não mais pode ser tomada como verdadeira.

Por todo o mundo, as fraquezas do sistema internacional de normas e relações multilaterais demonstra as suas fraquezas quando confrontado com velhas e violentas feridas. As populações feridas pela globalização ameaçam os próprios regimes democráticos em que vivem, colocando em risco os direitos e privilégios que se habituaram a ver como naturais e inamovíveis. A grande potência hegemónica perde força e ameaça abandonar à sua sorte um mundo que ajudou a construir, e que não está ainda preparado para a ver abandonar o seu manto de responsabilidade. A própria noção de comércio livre está sobre ataque pelos seus maiores proponentes, receosos de se verem ultrapassados pelos concorrentes que ajudaram a criar. As guerras que consideramos congeladas voltaram a assumir a relevância que nunca haviam perdido, acordando do torpor aqueles que se haviam acomodado num confortável sonho pacifista. As eleições americanas de 2024 apresentarão como candidatos dois octogenários que representam as duas facetas da sua decadente república: uma nobre, progressista e ambiciosa, e a outra mesquinha, receosa e isolacionista. Caso o público americano escolha segunda opção, os EUA cairão numa espiral descendente de que dificilmente recuperará. Independentemente do seu resultado, podemos considerar como certo que o período em que os EUA serviam de garante máximo da ordem mundial se aproxima do fim. O poder americano adveio da posição forte com que os EUA saíram dos conflitos do século passado e da assertividade com que impuseram a sua visão a um mundo incapaz de resistir. A ausência de vontade em continuar essa estratégia levará inevitavelmente à diminuição da sua relevância, mesmo que o seu investimento militar se mantenha inatingível pelos restantes. Não mais podem os europeus descansar à sombra do parceiro atlântico, e não mais está o resto do mundo disposto a aceitar um lugar terciário na mesa das negociações. O futuro será ditado pelas nações, grupos e blocos que sejam capazes de assumir o vácuo deixado pela retirada americana, e será com isto em mente que a União Europeia deverá avançar para um nível de integração que muitos consideravam desnecessário, sob pena de o seu modelo democrático ser derrotado pelos adversários que se apresentam como opção alternativa.

Não tenhamos ilusões: a retirada e enfraquecimento dos EUA, refletidas nas eleições presidenciais que se aproximam, terão graves consequências para todos nós. Espero francamente que o povo americano não ceda às suas piores tendências, mas temos o dever de estar preparados para esta possibilidade. A democracia liberal só sobrevive se os seus defensores estiverem dispostos a lutar por ela, literal e figurativamente. O fim da história chegou e passou; está em aberto o que vem depois.

[ndr] artigo originalmente publicado na edição de março do Jornal de Guimarães. 

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