Teoria Geral do “Achismo”
Está na moda “achar”. Todos “acham” hoje em dia. A todo o momento, alguém “acha” algo sem ter vergonha de confessar que “achou”. “Acha-se” e pronto! “Acha-se”, a todo o momento, por tudo e por nada, sobre tudo e sobre nada. “Acha-se” sobre o simples e o complexo, o profundo e o superficial. “Acha-se” sobre o importante e o assessório com a mesma simplicidade do “achar”. Se há um problema na economia, “acha-se” a solução, logo ali, na mesa de café. Da justiça, então nem falar: “Acham-se” sentenças como quem tira coelhos da cartola. Quem “acha” judicialmente faz serviço completo: “comigo, morriam todos”. Há “médicos” de café a “acharem” diagnósticos num ai e passam receitas no tempo de um raio. Dentro de um estádio são tantos os “achadores” quantos os espetadores.
Neste mundo de “achadores” ninguém acha tão bem quanto os comentadores de televisão. Ali “acha-se” com som e tom de autoridade de quem pode, porque ampliado por uma câmara. Marques Mendes, comentador da SIC, é um bom exemplo: a cada facto comentado ele “acha” uma solução. Tudo sem sombra para dúvidas. Aliás, contar o número de vezes em que Marques Mendes começa uma abordagem com “eu acho que” não só é um desafio como um exercício compreensivo de como “achar” com estatuto. Ver o seu programa, não só é um estímulo ao conhecimento como um exercício de entretenimento “achista”.
Há um orgulho tal no “achar” que envergonharia a humildade do “achamento” do Brasil. Mas, em certa medida, a cultura é a mesma. Se Portugal “achou” países, porque não podem os portugueses de hoje “achar” ideias imateriais que fervilham e pululam em tanta cabeça pensante? E, sendo Portugal um país necessitado de ideias inovadoras, porque não “achá-las” assim, vindas do nada, quais epifanias de riqueza caídas do céu? Num país onde há superavit da palavra déficit, faz todo o sentido que haja um excedente da expressão “eu acho que”. Perante o déficit permanente no “achar“ coisas materiais – como, por exemplo, ouro, petróleo, gás, etc., etc., Portugal é agora dominado por quem pensa “achar” a alquimia do “imaterial”, essa nova glória marcadora da riqueza mundial.
Vigora um novo princípio, “se acho logo existo, se não acho logo desisto”. A glória de achar marca o momento enquanto a modorra de pensar retira oportunidade. “Achar” é bom, é fácil e barato. Soa bem. Parece verdade. Quem “acha” não investe e não tem custos. É tudo ganho. A curto prazo fica a glória da posição momentânea. A longo prazo a memória de quem sabe tudo a todo o tempo. Pelo meio o esquecimento geral da míngua de qualidade de quem “acha”. Um bom investimento individual, um péssimo contributo coletivo. O “achista”, pessoa que “acha”, apresenta-se com os traços de frivolidade do herói acidental. Nunca o é. Mas nunca deixa de procurar ser. Por isso, não há momento algum de consciencialização da banalização em “achar”.
“Achar”, “achamento”, “achista” são expressões que dão vida à teoria geral do “achismo”. O “achismo” configura uma forma de ter ideias não pensando. De brotar sons sem analisar todos os ângulos das consequências. De querer mudar o mundo a partir do centro individual de produção de falações com ou sem sentido. No limite da sua aplicação, o “achismo” é verbo materializado na mais encantatória mensagem sobre coisa nenhuma. Por isso abomina a reflexividade. Aliás, na esteira “achista” expressões como “reflexividade” são teorias. Comunga desde logo no princípio que ninguém está hoje para filosofias. “Reflexividade”? Homessa! O “achismo” advoga que as pessoas têm mais que fazer do que estar a pensar, tão profundo, sobre coisas que se querem práticas. Quem “acha” vive intensamente a espuma dos dias. Súmula para citação: o “achismo” é uma articulação intelectual imediata, prática, objetiva, segura, sem margem para dúvidas e sem refutação possível sobre determinado tema da atualidade. Metáfora com travo “achista”: o “achismo” é um bolsar distraído, sem cuidar do uso de babete, completamente despreocupado com o sujo da blusa.
O grande mérito do “achismo” tem sido a redução da afirmação humilde de desconhecer. O desconhecimento desapareceu da face da terra. Uma vergonha sobre o desconhecimento instalou-se em todo o mundo que, agora, interage entre si a todo o momento, independentemente da hora e da geografia. Ninguém mais desconhece. Já não vivemos perante gente simples e humana, incapaz de saber de tudo. Não saber é mau de mais para existir neste amplo campo de interação onde todos se expõem pelos seus melhores motivos. Vive-se, permanentemente, na esfera pública, espaço onde todos sabem e, por isso, todos se autorizam a “achar”. E, como é sabido, quem se expõe publicamente, sabe! Não interessa que tipo de saber. Importa é que sabe, ponto final. Ninguém vem ao espaço público confessar, “estou aqui porque não sei”. Além de estúpido, seria inglório. É preciso “achar” para haver brilho ainda que momentâneo, nesse areópago de gente perdida entre o espelho e o umbigo. Assim acho!