Um Feliz Natal Eleitoral
Aproxima-se o Natal, e com ele uma época de festas pouco usual. Com a pandemia a entrar novamente numa fase delicada, o descanso natalício que todos desejamos pode trazer mais complicações do que esperado, e com a adição de eleições no final de janeiro temos em mãos umas festas que serão definitivamente pouco pacíficas. Desde o momento do fracasso das negociações entre os partidos de esquerda e o subsequente chumbo do orçamento que a realização de eleições antecipadas se tornou inevitável. Com a decisão do Presidente da República de dar tempo aos partidos de direita para se organizarem internamente, aproveitada pelo PSD e desperdiçada pelo CDS, a pausa festiva foi condenada a servir de momento de pré-campanha para as forças políticas que se preparam para ir a jogo.
Para tal todos os partidos terão de montar e aprovar as suas listas de deputados, listas essas que se apresentam como incrivelmente desejáveis. Mas afinal, que é necessário para ser deputado? Quais são os critérios que os partidos utilizam para escolher, entre os seus militantes e a restante sociedade civil, aqueles que irão a eleições pelo direito de representar os seus concidadãos no Parlamento?
O que supostamente se procura na composição de listas de deputados é um equilíbrio entre representatividade da população do distrito em questão, relevância política dentro do aparelho e do local, e aptidão ou capacidade intelectual para a realização de um bom trabalho. Sendo necessário que os deputados de um distrito representem as diferentes zonas do território, é também necessário que estes sejam reconhecidos e votados dentro do próprio aparelho partidário. Afinal, democracia implica que quem seja mais votado seja selecionado, mesmo dentro de um partido. Assim, tentar-se-ia equilibrar estes fatores com o reconhecimento de qualidades que permitissem afirmar que sim, aquele seria um bom repositório da nossa confiança e do poder de legislar.
Pelo menos é o que diz a teoria. O que observo após ver as atuais listas de deputados é a prevalência de uma única característica, valorizada acima da representatividade e da qualidade: a lealdade ao líder. Sendo óbvio que um líder deseje recompensar os seus apoiantes e rodear-se de quem confia, o espírito democrático implica reconhecer que todos aqueles que fazem política dentro das normas têm legitimidade para tal, mesmo quando não concordam com a maioria.
Esta é uma ideia que parece ter escapado aos líderes partidários atuais, que purgam os apoiantes dos seus adversários das listas de candidatos sem pena ou vergonha, chegando a colocar figuras da sociedade civil que pouco ou nada têm de aptidão ou interesse em lugares de destaque, procurando simultaneamente demonstrar aos eleitores que são abertos a figuras independentes enquanto bloqueiam lugares que teriam de ceder a militantes desagradáveis. Desde avocações completas à introdução arbitrária de elementos, as direções dos partidos tudo fazem para assegurar uniformidade, mesmo ao custo da valorização dos seus próprios processos de democracia interna.
Não quero com isto dizer que não temos, ou teremos, bons deputados. Felizmente muitos daqueles que farão parte destas listas são pessoas capazes, dedicadas e com sentido de serviço público. Os políticos não são, de facto, todos iguais. É, no entanto, importante que todos utilizemos a pausa festiva para pensar quem queremos nós a representar-nos lá em Lisboa, e o que devemos exigir dos nossos representantes. Ser deputado da República não é um emprego qualquer, e não pode ser uma mera recompensa por dedicação ao chefe. É uma honra e um dever que deve ser encarado como tal, tanto pelo político como pelo eleitor. Talvez quando isto estiver presente na mente de todos seja possível resgatar a confiança das pessoas no sistema democrático. Mas até lá, resta-me desejar a todos um feliz Natal eleitoral e um bom Ano Novo, repleto de saúde, oportunidades, alegria e boa, velha, democracia!