25 de Abril sempre!
“Há muitos anos, no tempo em que o teu pai andava na escola, num país muito distante vivia um povo infeliz e solitário, vergado sob o peso de uma misteriosa tristeza. (…). Esse país agora já não se chama País das Pessoas Tristes, chama-se Portugal e é o teu país. E o tesouro pertence a ti, és tu que agora tens que cuidar dele. (…). Porque esta história não é uma história inventada. É uma história verdadeira, aconteceu mesmo. Pergunta os teus pais ou aos teus professores e eles contar-te-ão mais coisas sobre o País das Pessoas Tristes e sobre o Dia da Liberdade."
Este curto excerto, destinado aos mais novos, extraído do livro de Manuel António Pina, intitulado O Tesouro, conta um pouco dessa história do 25 de Abril de 1974, ocorrida há 48 anos, que merece ser lida, ou (re)contada àqueles que a (não) vivenciaram.
Com efeito, esta e outras histórias devem ser contadas e lidas aos mais novos, quer no seio familiar, quer na escola, como salvaguarda deste tesouro que se chama liberdade. De facto, tal como “Era uma vez o 25 de Abril” de José Fanha, esta história da nossa realidade histórica, da qual somos personagens, tem de continuar a ser uma narrativa aberta, intemporal e atemporal e vivenciada como um “Romance do 25 de Abril”, que João Pedro Messeder tão bem conta e que José Jorge Letria historia no seu “25 de Abril contado às crianças … e outros”.
Realmente, quer como personagens. quer como narradores, como acontece em “Vinte e Cinco a sete vozes” de Alice Vieira, que, num relato de sete pessoas de três gerações diferenciadas, contam as suas memórias de Abril, é imperioso dar voz a esse “dia inicial inteiro e limpo” que Sophia de Mello Breyner Andresen canta:
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”
De facto, este e muitos outros textos literários permitem compreender que o 25 de Abril abriu muitas portas do país que estavam fechadas, como a da Descolonização, a da Democracia e a do Desenvolvimento, que eram os três“D”e objetivos da Revolução de Abril, ainda que várias outras continuem tão-somente entreabertas ou fechadas.
O poeta Ary dos Santos no seu poema “As Portas que Abril abriu”foi um desses vates que nos fala dessas portas e que nessa altura semearam a esperança:
(…)
“Ora passou-se porém Era a semente de esperança
que dentro de um povo escravo feita de força e vontade
alguém que lhe queria bem era ainda uma criança
um dia plantou um cravo. mas já era liberdade.”(…)
Porém, “As portas que Abril abriu”, que o poeta Ary dos Santos tão bem canta no seu (longo) poema homónimo, entreabririam apenas alguns limiares e nem todas as portas da liberdade foram abertas.
Realmente, há ainda muitas portas semicerradas e outros “D”, por cumprir como o da Desigualdade, o do Desemprego, o da Descentralização, o da “Descorrupção”, e de demais coisas e loisas como a Doença do Covid-19, entre vários “D’s” dos dias decorrentes, designadamente a demagogia.
Realmente, “Nesta Hora”, assim se intitula um outro poema de Sophia, (como aliás em todas as horas), “é preciso dizer a verdade toda/Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo/Pois é preciso ´que o povo regresse do seu longo exílio”(…), pois, como acrescenta “Meia verdade é como habitar meio quarto/Ganhar meio salário/Como só ter direito/A metade da vida”
Com efeito, em muitos casos continua (ainda) a faltar muita coisa, pois, como canta Sérgio Godinho, “só há liberdade a sério quando houver/a paz, o pão/ habitação/ saúde, educação”, situação que 48 anos depois não está completamente cumprida.
Ademais, neste 25 de Abril de 2022, o tempo é ainda de mais resiliência e responsabilidade pessoal e coletiva, não só para recuperarmos plenamente a liberdade agora mitigada, que nos obriga a continuarmos mascarados, mas também para encetarmos a luta e a ação em prol da cidadania ativa, face aos maus ventos mundiais que sopram belicamente.
Com efeito, só assim o sonho e a utopia de um mundo diferente, melhor e mais equilibrado (agora ameaçado pela guerra) terá pernas para andar em direção a um Abril “ainda por fazer”, como o canta Manuel Alegre:
“Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi o Abril em festa e o Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição
Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.”.
Assim, não deixemos de salvaguardar o que já está feito e de lutar por o que está “ainda por fazer”. E 25 de Abril, sempre, gritemos em plenos pulmões, como no poema “A Cor da Liberdade “ de Jorge de Sena: “Não hei de morrer sem saber/Qual a cor da liberdade” …