Uma Páscoa doce, com ramos de oliveira
De facto, o pão-de-ló já constava no Livro de Receitas da Infanta D. Maria, manuscrito no século XVI e no regimento dos confeiteiros da cidade de Lisboa, o qual tinha já sido confecionado “ com açúcar da ilha da Madeira ou açúcar branco de outras ilhas”.
No entanto, quanto à produção do dito cujo doce, entre nós, esta centra-se sobretudo nos conventos de Santa Clara (das clarissas) e das mulheres do recolhimento das Trinas, que geralmente era saboreado pelo Natal e Semana Santa e/ou oferecido
Há até referências que, em 1571-1572, no dia de Santo António dos Capuchos, que as clarissas ofertavam o “vate” ou “bate” (já sabemos que por cá se confundem o b e o v), que, no fundo, seria uma outra designação para o pão-de-ló, ainda atualmente usada no Alto Minho.
Aliás, em 1609, seria também referenciado o mamposteiro da Santa Casa da Misericórdia, de nome Pascoal de Freitas, que provavelmente já terá metido as mãos na massa doce.
Certa, porém, entre nós, como primeira referência ao pão-de-ló vimaranense, é a ata da vereação camarária de 25 de junho de 1678 que passa a taxar o doce a 70 réis o arrátel.
Porém, outra referência marcante, é mencionada no relatório da Exposição Industrial de Guimarães de 1884. Na circunstância alude-se a vários tipos de doces, nomeadamente o “pão-de-ló”, o “pão-de- ló coberto”, o “pão-de-ló dito coberto” e ainda o “pão-de-ló (bolinhol), enumeração que obviamente parece indiciar tipos diferentes de confeção.
Uma indústria que, ao que parece, como escreve Avelino da Silva Guimarães, em 1884, no “Jornal do Comércio”, de Lisboa, se revela em Guimarães economicamente salutar e competitiva:
“Terra de conventos e freiras, a indústria de doçaria teve uma tal prosperidade que estabeleceu e sustentou por muitos anos abundante comércio com Inglaterra. Era também no Recolhimento das Trinas que se fabricava o melhor pão-de-ló, que disputava competências ao afamado pão-de-ló de Margaride (Felgueiras).”
Efetivamente, na Páscoa era (e é) useiro, os padrinhos e as madrinhas oferecerem prendas aos seus afilhados, em especial amêndoas, roscas de pão-de-ló, roupas ou dinheiro. Em tempos mais antigos, oferecia-se ainda o folar, uma rosca doce, por vezes com ovos. Todavia, para isso acontecer, no domingo anterior à Páscoa, no chamado Domingo de Ramos, os afilhados ofereciam um ramo de oliveira ao padrinho e um ramo de violetas à madrinha.
Uma tradição particularmente cultivada no norte e no Minho em especial, desde tempos ancestrais, como Camilo Castelo Branco narra na sua novela “A Viúva do Enforcado”, inserida na obra “Novelas do Minho”, narrativa cuja ação central decorre na cidade-berço:
“Tinha passado o Natal de 1822 em Guimarães, e levara à sobrinha um grilhão de ouro da sua viúva dentro de uma rosca de pão-de-ló”.
Mas a literatura está recheada de alusões pascais, em especial na poesia. O poema “Páscoa na Aldeia” de Teixeira de Pascoaes é elucidativo desse useiro ritual da região de Entre-o-Douro-e-Minho:
“Minha aldeia na Páscoa
Infância, mês de Abril!
Manhã primaveril!
A velha igreja,
Entre árvores alveja
Alegre e rumorosa
De povo, luzes. Flores …
E, na penumbra dos altares cor-de-rosa,
Rasgados pelo sol os negros véus,
Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores,
Ressurreição de Deus! (…)
Em pleno azul, erguida
Entre a verde folhagem das uveiras,
Rebrilha a cruz de prata florescida …
Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal
Ébrias de cor, tremulam as bandeiras …
Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
Ei-lo que entra contente nos casais;
E, com ano, visita as rústicas choupanas,
É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
As grandes alegrias sobre-humanas
Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
Linda manhã, canções de passarinhos!
A campainha toca; Aleluia! Aleluia! (…)
Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus
E mães, acalentando os filhos no regaço,
Esperam o COMPASSO …
E, ajoelhando com séria devoção,
Beijam os pés da Cruz.”
Com efeito, a Páscoa, para além da celebração religiosa, que assinala para os crentes a ressurreição de Cristo, transmitindo uma mensagem de passagem, é também um momento festivo particular, como o poeta António M. Couto Viana canta, nesta “Páscoa do Minho”:
“É tempo de Pascoa do Minho florido
Já se ouvem os trinos dos sinos festeiros
Na igreja vestida de branco vestido.
Entre o verde manso dos altos pinheiros.
Caminhos de aldeia, que o funcho recobre
Esperam cheirosos, que passe o “compasso”,
À casa do rico, cabana do pobre …
Já voam foguetes e pombas no espaço!
Lá vêm dois meninos, com opas vermelhas,
Tocando a sineta. Logo atrás, o abade
Já trôpego e lento. (As pernas são velhas?
Mas no seu sorriso tudo é mocidade.)
Com que unção o moço sacristão, nos braços
Traz a cruz de prata que Jesus cativa,
Para ser beijada! Enfeitam-na laços
De fitas de seda e num rosa viva.
Um outro, ajoujado, ao peso das prendas
(Não há quem não tenha seu pouco para dar …)
Traz um largo cesto de nevadas rendas
Os ovos, o açúcar e os pães do folar.
Mais um outro, ainda, o hissope e caldeira
Cheia de água benta, abre um guarda-sol.
Seguem-nos, e alegram céu e terra inteira,
Estrondos de bombos e gaitas de fole.
Haverá visita mais honrosa e bela?
Famílias ajoelham. A cruz é beijada.
(Pratos de arroz-doce, com flores de canela,
Aguardam gulosos nas mesas enfeitadas).
Santa Aleluia! Oh, festa maior!
Haverá mais bela e honrosa visita?
É tempo de Páscoa. O Minho está em flor,
Em cada alma pura Jesus ressuscita.”
Neste tempo de hoje, a exigir passagem para o mundo novo, que o ramo de oliveira do Domingo de Ramos apadrinhe a tradição da paz, na Europa e no mundo.