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500 anos depois

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ quarta-feira, dezembro 18, 2024
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O ano de 1524, já lá vão 500 anos, marca duas efemérides nacionais: o nascimento de Luís de Camões (o qual já abordamos em artigos publicados em Janeiro e Junho) e ainda a morte de Vasco da Gama.

O ano de 1524, já lá vão 500 anos, marca duas efemérides nacionais: o nascimento de Luís de Camões (o qual já abordamos em artigos publicados em Janeiro e Junho) e ainda a morte de Vasco da Gama, ambos ligados entre si nos “Lusíadas”, ao serviço do herói coletivo da obra: os portugueses.

Com efeito, Gama é a figura fulcral da viagem do descobrimento do  caminho marítimo para a Índia, que constitui a ação central da narrativa, e a ele cabe protagonizar, bem como ao seu irmão Paulo da Gama, a narração da História de Portugal, contada ao rei de Melinde.

Vasco da Gama é efetivamente exaltado nos “Lusíadas” como o capitão-mor, ilustre e nobre, forte e esclarecido, sábio e ardiloso, à laia clássica, tal como fizera Virgílio relativamente a Eneias. Simultaneamente, o homem escolhido pelo rei D. Manuel I para conduzir esta intrépida empresa e aventura. Realmente, originário de uma família da nobreza (seu pai era alcaide-mor do castelo de Sines) e pessoa ilustrada, que se crê haver estudado navegação, matemática e astronomia, ao navegador português, com apenas cerca de 30 anos, seria acometida a viagem à Índia, onde aportaria em Maio de 1498. Um feito que lhe granjearia a imortalidade e a distinção como um daqueles “que por obras valorosas/Se vão da lei da Morte libertando”. Um português que, conjuntamente com os seus homens, ascenderia à fama e à glória, levando à divinização do bicho terra (“divinos os fizeram, sendo humanos”) e colocando o amor como a força suprema do homem novo e da harmonia universal.

 Com efeito, Gama e os seus navegadores receberiam por parte de Vénus, na Ilha dos Amores, “o prémio lá no fim, bem merecido,/ Com fama grande e nome alto e subido” e aí teriam ensejo a saciar os sentidos e alegoricamente tornarem-se senhores e donos do tempo, do espaço e da ciência.

Realmente, Tétis recebe pessoalmente Vasco da Gama na Ilha dos Amores “com pompa honesta e régia” , pelo que “tomando-o pela mão, o leva e guia/Para o cume dum monte alto e divino”, dando-lhe a conhecer como herói escolhido,  as profecias sobre o futuro dos portugueses no Oriente, bem como o a visualização da “Máquina do Mundo”, de acordo com o famoso sistema de ptolomaico:

“Que, depois de lhe ter dito quem era,
Com um alto exórdio, de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender que ali viera 
Por alta influição do imóbil Fado.
Para lhe descobrir a unida Esfera
Da terra imensa e mar não navegado
Os segredos, por alta profecia,
O que esta sua nação só merecia”

                                                         (IX, 86)

 

Gama é ainda caracterizado ao longo da obra “Os Lusíadas” com um herói épico que revela uma certa credulidade, mesmo em situações traiçoeiras, de que é exemplo a aceitação do falso piloto em Moçambique. Todavia, é também um capitão agressivo e violento, quando atacado, como ocorre nos ataques inimigos, quer em Stª. Helena quer Moçambique, ou, em função das circunstâncias, um navegador valente e corajoso,  que enfrenta e confronta o Gigante Adamastor (“Lhe disse eu: - Quem és tu? Que esse estupendo/Corpo me tem maravilhado!”), apesar da atitude inicial de espanto e receio (“Arrepiam-se as carnes e o cabelo/A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!”).

Outrossim, Vasco da Gama é ainda um homem cuja idiossincrasia o revela como detentor da fé cristã. Uma postura que é evidente no agradecimento a Deus, aquando da sua chegada à Índia (“os joelhos no chão, as mãos ao Céu/ A mercê grande a Deus agradeceu”), não obstante os momentos de questionamento que interpelam o desamparo divino, fazendo eco da voz do poeta, como aconteceria no decurso da tempestade marítima, que Vénus viria a resolver:

(…)

“No fim de tantos casos trabalhosos,
Por que somos de Ti desamparados,
Se este nosso trabalho não Te ofende,
Mas antes Teu serviço só pretende?”

                                                          (VI, 82)

 

Gama revela também o “saber de experiência feito” inerente ao homem renascentista, evidente em situações da viagem como na tromba de água ou no fogo-de-Santelmo. Ademais, em nome da verdade, revela igualmente os seus receios e dúvidas nesta odisseia, como transparece implicitamente na partida de Lisboa, nas despedidas em Belém e no ecoar da voz do Velho do Restelo. Controla no entanto com frieza e autodomínio a situação de debilidade emotiva, que o leva a evitar as lágrimas na presença dos seus marinheiros:

“Certifico-te, ó Rei, que, se contemplo
Como fui destas praias aparrado,
Cheio de dentro de duvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio”.

Cavaleiro cheio de nobreza patriótica, pronto a dar a vida pelo seu rei (“ Por vós, ó Rei, o espírito e carne é pronta”, Vasco da Gama serviria ainda o seu rei e o seu país como Almirante-Mor dos Mares da Índia e Governador deste território e seria distinguido com os títulos nobiliárquicos de Senhor da Vidigueira e Vila de Frades. O navegador viria a falecer em Cochim, a 24 de Dezembro de 1524.

Gama é ainda cantado por outros poetas, nomeadamente por Miguel Torga, nos “Poemas Ibéricos”, na composição poética “Vasco da Gama”; e também por Fernando Pessoa, na “Mensagem”,  no poema “Ascensão   de Vasco da Gama”.

Transcrevemos ambos os poemas citados de Torga e Pessoa, respetivamente:

“Somos nós que fazemos o destino.
Chegar à Índia ou não
É um íntimo desígnio de vontade.
Os fados a favor,
ou desfavor,
São argumentos da posterioridade.

O próprio génio pode estar ausente
Da façanha
Basta que nos momentos de terror
Persistente,
O ânimo enfrente
A fúria de qualquer Adamastor.

O renome é o salário do triunfo
O que é preciso, pois, é triunfar
Nunca meia viagem consentida!
Nunca meia medida
Do vinho que nos há de embriagar!”

“Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio de sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus,
Surge um silêncio, e vai, de névoa ondeando os véus,
Primeiro no movimento e depois em assombro
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, aluz de mil trovões,
O céu abriu o abismo à alma do Argonauta.

 Guimarães também não esqueceu o argonauta e evoca Gama numa Exposição na sala de leitura da Sociedade Martins Sarmento intitulada “Vasco da Gama – O Mundo novo do mundo”, que estará patente ao público até 25 de Janeiro próximo. Uma amostra expositiva que proporciona um olhar sobre a viagem do caminho marítimo para a Índia e a figura histórica de Vasco da Gama, cantado na obra “Os Lusíadas” de Luís de Camões.

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