A propósito do 5 de outubro
Com efeito, precisamente no dia de 5 de outubro de 1910, a Câmara Municipal de Guimarães reuniria em sessão ordinária, como habitualmente nos Paços do Concelho, sitos ao Largo da Oliveira, sob a presidência monárquica de Abade de Tagilde, alheia ao que se passava nas ruas da capital. De facto, uma reunião normal que deliberaria aprovar vários pedidos das 80 freguesias concelhias, entre as quais, na altura, se inseriam as comunidades da área de Vizela e outras como Lobeira e Pentieiros.
Aliás, ao que consta, só na manhã do dia 6 de os primeiros rumores da proclamação da República chegariam a Guimarães, quer através dos jornais do Porto, quer por via dos indícios decorrentes do corte do telégrafo entre Lisboa e Porto, pressagiadores de que algo de anormal estaria a ocorrer.
Ora, na cidade-berço (da monarquia) as primeiras notícias surgiriam no jornal monárquico “Notícias de Guimarães”, datado de 6 de outubro, que sob o título “Lisboa em Revolução”, escrevia e aludiria as situações citadas:
“Pelas parcas informações até nós chegadas pelos jornais do Porto, apenas podemos apresentar, como boato, aos nossos prezados, que alguns exércitos de Lisboa, juntamente com grande número de populares, tentam impor à monarquia novas instituições em pró da liberdade, isto é, proclamar a república.
Os passos que imprudentemente el-rei dera, são a causa, talvez irremediável da queda vergonhosa da secular monarquia que tanto trabalho e sangue custou ao nosso filho e grande rei D. Afonso Henriques (…).
Isto o que podemos assegurar aos nossos leitores, como certo. O que se está, a esta hora, a passar em Lisboa -nos inteiramente desconhecido, por o telégrafo estar cortado de Lisboa ao Porto.
Sabe-se, porém, que a bandeira da República está hasteada em vários pontos da cidade de Lisboa e diversos vapores, tendo a marinha de guerra salvado com 31 tiros o seu içamento.”
Todavia, como documenta o periódico “O Regenerador”, datado de 14 de outubro, sob o título “Proclamação da República”, a revolução acabaria por sair para a rua poucos dias depois:
“No sábado, 8 do corrente, foi solenemente proclamada a república nesta cidade. Ao meio dia chegou ao Largo da Oliveira uma força de infantaria 20, comandada pelo capitão António Infante, tendo por subalternos os alferes Abreu Lima e Cunha.
À meia hora chegou a comissão republicana acompanhada de duas bandas de música e algum povo.
O Dr. Eduardo Almeida, digno administrador do concelho, fez a proclamação da varanda da Câmara, içando de seguida a bandeira republicana e levantando alguns vivas à república e à pátria.
Assistiram as autoridades civis e militares e algum povo.”
Esta notícia é também mencionada nas “Efemérides Vimaranenses” de João Lopes de Faria, conhecido pelo “Dicionário de Guimarães” que no seu registo de 8 de outubro de 1910 refere detalhadamente o evento, destacando que tudo correra “sempre em boa ordem.”
Boa ordem que contudo, como relata José Joaquim dos Alves, teve de permeio alguns episódios menos “ordeiros”. Seria o caso de “um malandro qualquer” na tarde de 7 de outubro, que “foi às Capuchinhas dizer que se acautelassem que iam pô-las na rua. As pobres senhoras começaram a tirar os seus trastes para fora do convento até que ali se juntou muita gente comovida de sentimentos por aquelas senhoras e ali comtemplavam a grande praga republicana e os seus efeitos que ia dar com as casas religiosas.”
Porém, ao que se sabe, não ocorreriam situações de gravidade. No entanto, só uma semana depois, na reunião camarária de 12 de outubro, é que a transição de poder teria pernas para andar. Realmente, nessa sessão, a edilidade toma conhecimento formal de um ofício do novo Administrador do Concelho, assinado pelo jovem advogado vimaranense Eduardo de Almeida, informando que no dia seguinte, 13 de outubro, “será proclamada a República na Casa da Câmara”, situação que leva Alfredo Pimenta a comentar ironicamente que “a primeira cidade da monarquia foi a última cidade da República.”
Entrementes, aceite naturalmente pela vereação monárquica a transição de poder, a República seria então proclamada como previsto, na presença das autoridades civis, eclesiásticas e militares do Regimento de Infantaria nº. 20, não obstante a Câmara cessante não se ter demitido, uma vez que apenas depositara o seu mandato do Ministério do Interior.
Deste modo, só oito dias depois, em 20 de outubro, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal, nomeada pelo Governador Civil de Braga seria empossada, na presença do presidente cessante e do Administrador do Concelho Eduardo de Almeida, cuja equipa ficaria assim constituída:
- José Pinto Teixeira de Abreu (presidente);
- Mariano Felgueiras;
- Manuel Ferreira Guimarães;
-Júlio António Cardoso;
- Manuel Caetano Martins;
- José Ribeiro Freitas:
- José Rodrigues Leite da Silva.
Quanto aos empossados, todos eles membros do Partido Republicano Português (PRP), ligados ao Centro Republicano local, distinguem-se na presidência o industrial e comerciante J. Pinto Teixeira de Abreu, que geria a Fábrica do Minhoto e o jovem de 26 anos e guarda-livros Mariano Felgueiras, mais tarde licenciado em Direito, filho de um médico e neto de um juiz conselheiro liberal, que vai assumir a liderança republicana vimaranense até 1926. Destacam-se ainda o comerciante Manuel Caetano Martins , mais conhecido por “Martins Chapeleiro”, bem como o “Freitinhas de Santa Luzia”, assim era conhecido o mestre de construção civil José Ribeiro de Freitas, sendo os três restantes indigitados todos eles proprietários abastados e homens ricos com fortuna pessoal.
Genericamente, um grupo cuja base social era proveniente da burguesia local e profissionais liberais, uma vez que eram praticamente inexistentes nas fileiras do PRP, membros das classes trabalhadoras, quer trabalhadores operários quer agrícolas, que estavam organizados em associações de classe e no movimento socialista, que curiosamente celebrariam em conjunto o primeiro aniversário da República.
Iniciava-se uma nova era política, particularmente renhida entre republicanos e monárquicos e por vezes entre republicanos entre si, resultantes de tendências e divisões internas, nomeadamente entre as alas democráticas, evolucionista e unionista, que posteriormente ocasionariam cisões e fusões frequentes.
Como é óbvio, em consequência da nova visão política, surgem também os novos jornais republicanos como “A Alvorada” de A.L. de Carvalho e “A Velha Guarda” de Mariano Felgueiras em contraposição aos periódicos monárquicos “Notícias de Guimarães”, “Comércio de Guimarães” e “A Restauração”, ou aos mais independentes como o “Imparcial”, que vão expressar os diferentes espetros políticos vigentes.
Igualmente, o novo poder político preocupa-se também pelos problemas sociais, em especial e educação. Deste modo, em alternativa ou complemento às várias “escolas móveis”, a nova administração pretende alargar mais as escolas fixas a algumas freguesias, bem como melhorar as condições de serviço das escolas existentes e contratar mais professores, que na altura eram uma competência municipal. Paralelamente, e no âmbito das suas ações iniciais, os republicanos aprovariam algumas intervenções no âmbito do embelezamento das ruas e melhorias na limpeza pública, bem como medidas no contexto do alargamento da rede pública de água e da rede de cantinas, entre outras, que só posteriormente seriam concretizadas.
De imediato, como é cíclico e habitual na política portuguesa, proceder-se-ia à “revolução toponímica” da cidade. Deste modo, a Rua da Rainha passaria a Rua da República, o Largo João Franco a Largo da Misericórdia, a Rua de Santo António a Rua 31 de Janeiro, a Rua dos Trigais a Rua Alberto Sampaio, ou o Campo da Feira a Largo da República do Brasil, entre várias outras alterações. Meses depois, a estátua de D. Afonso Henriques é também retirada para o Toural, já sem grades, que passa a denominar-se “Praça do Libertador de Portugal”. Assim foi em Guimarães, após os primeiros raios solares da República …