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Alfredo Pimenta

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ sexta-feira, novembro 18, 2022
© Direitos reservados
Seguramente, não obstante os tempos políticos serem agora outros, um autor a ler, em especial na sua dimensão histórica e antropológica vimaranensista.

No próximo dia 3 de Dezembro recorda-se a data de nascimento de ALFREDO Augusto Lopes PIMENTA (1882-1950), nascido na Casa de Penouços, em S. Mamede de Aldão, já lá vão 140 anos.

Historiador, escritor e doutrinador, Alfredo Pimenta foi uma personalidade marcante e polémica no meio cultural do seu tempo, que nos legaria uma vasta bibliografia no âmbito

dos estudos filosóficos e políticos, crítica, poesia e particularmente da História medieval, produção literária a que ajuntaria uma diversificada colaboração jornalística em vários periódicos e revistas nacionais e estrangeiros..

Ademais, Alfredo Pimenta foi Conservador da Torre do Tombo entre 1933 e 1949 e seu Diretor

nos anos 49/50, bem como dirigiu o Arquivo Municipal de Guimarães (1931-1950), mais tarde denominado Arquivo Municipal Alfredo Pimenta.

Alfredo Pimenta iniciou os seus estudos em Guimarães. Aluno brilhante na escola primária, que lhe garantiu o Prémio da Sociedade Martins Sarmento (SMS), o jovem Alfredo continuaria os seus estudos no Colégio de S. Nicolau, sob a orientação do mestre José Maria Gomes. Entrementes, jovem curioso e ativo, frequentaria ainda com assiduidade a Biblioteca da SMS, deliciando-se com as leituras de Júlio Dinis, Tomás Ribeiro, Antero e Junqueiro e Baudelaire, entre outros e privando de perto com Dr. Joaquim José de Meira e os seus filhos João e José, sua família tutelar e amiga. Datam desta época, por volta de 1898, os seus primeiros versos publicados no Comércio de Guimarães, no ano anterior à sua partida para Coimbra, com o objetivo de cursar Direito. Na altura, instala-se então na república da R. de S. João, à sombra protetora de Luís de Freitas, prosseguindo sua colaboração poética no Comércio de Guimarães e as suas leituras formativas e complementares, nomeadamente de Nietzche, Renan, Proudhom, bem como Stirner, em especial a obra “O Único e a sua Propriedade”. Uma obra que, afirma-se, teria sido determinante na sua formação pessoal e iniciação anarquista, que iniciaria a sua trajetória ideológica, caracterizada por uma frequente errância política.

Datam também desta fase as primeiras publicações como “Um Alto Espírito visto à luz do Espiritismo” (1901) e a revista em formato de livro “O Burgo Podre” (1902-1903), este último em parceria com Eduardo de Almeida, que pretenderia retratar a sociedade vimaranense da época.

Coimbra acaba por ser a sua segunda terra. Com efeito, aí acaba por casar em 1904 com Adozinda Júlia Correia de Meneses Soares de Brito Carvalho e conclui o seu curso de Direito em 1908. Politicamente passa então a frequentar grupos republicanos, dos quais se acabaria por se afastar posteriormente e envolve-se nas lutas estudantis e na Greve Académica de 1907 contra os exames. Entretanto, publica o livro de poemas “Para minha filha”

( 1905 ), a propósito do nascimento da sua filha Maria Adozinda, bem como “O Fim da Monarchia” (1906) e “Factos Sociais” (1908).

Entrementes, nos anos seguintes, continua a subsistir com trabalhos jornalísticos e tenta mesmo exercer advocacia no Porto, mudando-se para Matosinhos durante dois anos.

Lisboa, concretamente Dafundo seria a sua nova morada, que partilha com a esposa e três filhos. Aí, em 1911, assume então a chefia do gabinete do Ministro do Fomento no governo provisório de Duarte Leite e, nesse mesmo ano, as funções de professor provisório no Liceu Passos Manuel. Como é óbvio, continua as suas publicações, destacando-se entre outros, os livros “Aos Conservadores Portugueses” (1911) “Política Portuguesa” (1913), uma compilação de escritos teóricos do Partido Evolucionista, e a edição de poesia “Na Torre da Ilusão” (1912). Assim, neste seu percurso errante, quer pelo país quer politicamente, inicia um ciclo de conferências diversas e escreve o manifesto do Partido Evolucionista, publicado em 1912, pelo qual se candidataria a deputado às eleições suplementares, ainda que um pouco mais tarde se venha a desligar.

De facto, politicamente errante, Alfredo Pimenta acaba por se ligar e desligar frequentemente das várias opções políticas da época, ao longo da sua vida, oscilando entre o anarquismo e o republicanismo e mais tarde pelos valores da monarquia e a defesa do salazarismo. Com efeito, Pimenta foi quase sempre do contra. De tal forma que António José de Brito, em sua defesa, afirmaria que “foi vítima das suas virtudes: do seu desassombro e da sua verticalidade (…) por ter convicções, por preferir antes quebrar que torcer” .

Homem do contra e inconstante, como alguns insinuam, ou homem de convicções pessoais como outros defendem, notória seria de facto a sua amizade com Salazar, que propiciaria a política de favores própria do regime, da qual Guimarães (justificadamente) colheria dividendos. Com efeito, benfeitorias que se traduziriam positivamente no restauro da Colina Sagrada, designadamente do Paço dos Duques de Bragança, na criação do Arquivo Municipal de Guimarães como estatuto distrital, em 1931 e no brilhantismo das Festas Centenárias de 1940.

 

O ARQUIVO MUNICIPAL

 

De acordo com o Decreto nº. 19.952, de 27 de Junho de 1931, publicado no Diário do Governo, I série, nº. 175, de 30 de Junho de 1931 e conforme posteriormente se escreve no nº. 3 do “Boletim de Trabalhos Históricos”, por ele fundado, seria “criado, sem encargo algum para o Estado, o Arquivo Municipal de Guimarães, (…) instalado em dependências da Sociedade Martins Sarmento, e que se destina a reunir, conservar, catalogar e facultar, oportunamente, à leitura e consulta públicas os documentos que fizeram parte do seu recheio”

Um arquivo que, segundo o citado decreto, deveria incorporar o acervo documental da extinta Colegiada de Guimarães, os documentos do antigo Recolhimento do Anjo, os processos crimes, cíveis e orfanológicos e livros dos cartórios e tabeliais extintos, dados por findos há mais de cinquenta anos. De igual modo, os livros paroquiais do concelho e todos os documentos, livros, processos e estatutos provenientes de irmandades, corporações e repartições extintas.

É assim e deste modo, que a abertura solene do Arquivo Municipal de Guimarães ocorre em em 14 de Outubro de 1934, no edifício dos antigos Paços do Concelho, que após a sua morte, por portaria de 29 de Fevereiro de 1951, passaria em sua honra e merecido tributo, a denominar-se Arquivo Municipal Alfredo Pimenta.

Com efeito, cabe a Alfredo Pimenta a organização de todo o vasto espólio recebido, devendo-se-lhe ainda o grande e contributo para a criação do “Boletim de Trabalhos Históricos”, iniciados em Janeiro de 1933, cuja publicação se mantém até à atualidade.

Porém, atualmente e a partir de 2003, o Arquivo Municipal Alfredo Pimenta passaria a dispor de novas instalações no edifício do palacete dos Navarros de Andrade, que no ano seguinte receberia da parte da Drª. Teresa Pimenta a doação do espólio epistolar de Alfredo Pimenta, constituído por cerca de 20 mil peças.

 

A MADRE DE DEUS

 

A Casa da Madre de Deus e a capela homónima, defronte da casa, na freguesia de Azurém, foram os seus espaço de eleição e sagrados. Com efeito é nesta casa e concretamente no seu quarto de trabalho, “mais cela conventual ou de prisão de que outra coisa, forrado a estantes que tocam no tecto, contém aquilo que já se chama, por aí, a minha livraria Mumadona. São perto de dois mil volumes de História, Teologia, Filosofia, dicionários, etc. É fechado nessa cela que passo os dias de minhas férias – com grave escândalo da família e dos médicos que vigiam a minha saúde”.

Todavia, para além dessa casa que herdara em 1927 do seu tio Padre João Pimenta, de Penouços, Alfredo Pimenta teria ainda profunda devoção por Nossa Senhora da Madre de Deus, cuja capela se situa defronte da sua casa, na qual se lê, na entrada, no painel de azulejos ali colocado, o soneto intitulado “Aos meus filhos”, datado de 1941:

 

“Em frente à minha casa, há uma capela

Com adro e alpendre, e onde eu vou rezar

À senhora que vive dentro dela

E é a Nossa Senhora do lugar.

 

Às noites, uns minutos, à janela.

Demoro-me sozinho, a conversar

Humildissimamente com aquela

Que é doce protetora do meu lar.

 

O que todas as noites lhe peço,

Na infinita humildade do meu ser,

E no profundo ardor do meu orar,

 

É de que a eterna paz de que careço

Ma deis, vós, filhos meus, quando eu morrer

Deixando-me ao pé dela repousar.”

 

Efetivamente, como declararia no texto testamentário de 19 de Janeiro de 1939 (“peço aos meus amigos políticos e pessoais que façam tudo para que eu vá descansar à sombra das árvores da minha terra”) Alfredo Pimenta seria sepultado nesta capela em 22 de Outubro de 1951, após transladação dos seus restos mortais provenientes de Lisboa, local onde faleceria em 15 de Outubro de 1950. 

Uma cerimónia de transladação à qual a Câmara Municipal se associaria e os vimaranenses em geral, que levaria o seu amigo Eduardo de Almeida a escrever no Notícias de Guimarães da época:

“Guimarães, para e descobre-te. No caixão eu passa, levado para a capelinha rústica da Madre de Deus, vai o cadáver de um Grande de Portugal, que é um dos mais notáveis Vimaranenses () Era um Sábio e um Artista () A obra escrita que esse homem deixou é um monumento, como uma catedral gótica () ele que foi prosador e poeta, filósofo e crítico, historiador e investigador, em tudo dos maiores no mundo latino. Guimarães: descobre-te, curva-te e deixa que os teus olhos assomem as lágrimas do sentimento.

Com efeito, Guimarães esteve sempre no seu coração. Talvez por isso nas “Páginas Minhotas”, o seu último livro, aborde " temas direta e indiretamente relacionados com a Província do Minho, e com a vida guimaranse, em especial”.

De facto, esta obra é um repositório de tradições, usos, costumes, tipos e figuras do Minho e Guimarães na primeira metade do século XX, abordando entre diversos aspetos a Sociedade Martins Sarmento e a Citânia, o vinho verde, a espadela, as romarias e quatro escritores vimaranenses: o poeta Guilherme de Faria, Martins Sarmento, João de Meira e Eduardo de Almeida.

Seguramente, não obstante os tempos políticos serem agora outros, um autor a ler, em especial na sua dimensão histórica e antropológica vimaranensista.

 

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