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1953: as comemorações do milénio do burgo e centenário da cidade

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ sábado, julho 29, 2023
© Direitos reservados
A cidade de Guimarães conserva ainda no seu património edificado duas marcas desses tempos: a Fonte do Centenário, que agora se encontra na Alameda Alfredo Pimenta, e o Café Milenário.

Quando ainda contava três anos e dava os primeiros passos, Guimarães celebrava o milenário do burgo e o Centenário da Carta de Cidade. Já lá vão 70 anos e a cidade Guimarães não se fez rogada nas comemorações de ambos os eventos.

O periódico “Notícias de Guimarães”, datado de 10 de Maio de 1953, sob o título “Guimarães vai celebrar o milenário da sua fundação e o centenário de elevação da cidade”, daria conta da programação geral prevista:

 

“No dia 22 de Junho de 1853 a rainha D. Maria II elevou à categoria de cidade a vetusta e histórica vila de Guimarães, fundada 900 anos atrás. As duas datas vão ser comemoradas com actos solenes e festivos, que começam no dia 22 de Junho e se prolongam até ao dia 15 de Agosto. Os três primeiros dias das celebrações terão a presença do Chefe de Estado que presidirá, no dia 22, à sessão solene que se realiza num dos salões do Paço dos Duques de Bragança. Em sua honra efectua-se nesse dia um jantar de gala. Em cumprimento do programa elaborado, haverá, no dia 23, visita a monumentos e obras públicas e inaugurar-se-á a obra geral de abastecimento de água à cidade. O sr. Presidente da República presidirá, também, à inauguração da Exposição Industrial e Agrícola e das Exposições Bibliográfica e de Arte Sacra, e à noite dará recepção. Folguedos populares, constituídos por iluminações e arraias e fogo de artifício, encerram, nesse dia os festejos.

A 24, dia de S. João, comemora-se a Batalha de S. Mamede, com missa campal, celebrada pelo sr. Arcebispo Primaz. O Chefe de Estado procede, no castelo, ao hasteamento da bandeira de D. Afonso Henriques, depois do que se retira para Lisboa.

Em Julho as datas históricas são rememoradas com a procissão a S. Torquato, celebração do Primeiro Tratado de Amizade com a Inglaterra, assinado em Tagilde (Guimarães), exposições, conferências e festivais.

Nos dias 1 a 4 de Agosto efectuam-se, com atraente programa, as Festas Gualterianas. No dia 14 comemora-se a vitória de Aljubarrota. Com a Festa do Pelote e missa campal no altar tomado na batalha, celebrada pelo sr. Bispo da Guarda; homenagem dos Municípios do País à terra vimaranense, no Paço dos Duques de Bragança, acto em que se faz a saudação o sr. presidente da Câmara Municipal de Lisboa: à noite, jantar de gala. No dia 15, o sr. Cardeal Patriarca de Lisboa preside, na Insigne e Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, ao “Te Deum” de acção de graças pela fundação de Guimarães. Nesse dia realiza-se a soleníssima procissão de Santa Maria de Guimarães, com a assistência de Prelados e de Confrarias Marianas da província de Entre-Douro-e-Minho, há um festival no pátio dos Duques de Bragança. Iluminações, fogo de artifício, etc.

O programa cultural das comemorações é constituído pela Exposição Bibliográfica dos Escritores Vimaranenses na Sociedade Martins Sarmento, pela Exposição de Arte Religiosa, sob o patrocínio da Casa de Bragança, por publicações editadas pela Câmara Municipal de Guimarães e por diversas conferências.

Durante os dias de festas realizam-se visitas às importantes obras já realizadas e em curso na cidade e também à vila de Vizela, vila das Taipas, Pevidém, S. Torquato, Penha e Citânia de Briteiros.

A Câmara Municipal de Guimarães mandará cunhar uma medalha comemorativa do Milenário e Centenário.” 

 

Junho e a visita do chefe de Estado

Efetivamente, Guimarães vivenciaria momentos únicos, nesse ano de 1953, que se iniciariam a 22 de Junho com a visita oficial a Guimarães do Presidente da República Craveiro Lopes. Com efeito, no início dessa tarde de 22 de Junho, Craveiro Lopes seria recebido entusiasticamente na estação do caminho de ferro de Vila Flor e escoltado avenida abaixo por uma enorme multidão até à Colegiada, onde o aguardava o Arcebispo Primaz com o Cabido. Nesse dia, ocorreria aina uma sessão solene no Paço dos Duques, ao fim da tarde, e um banquete oferecido pela Câmara Municipal.

No dia seguinte, o dia começaria pelas 10 horas com a inauguração da rede de água na Cruz da Argola e cerca de uma hora depois, na Sociedade Martins Sarmento, ocorreria a solene inauguração da Exposição Histórica e Bibliográfica. As inaugurações prosseguiriam no decurso da tarde com a abertura da Exposição de Arte Sacra no templo de S. Francisco, bem como, da Exposição Industrial e Agrícola do concelho de Guimarães.

24 de Junho, por sua vez, dia comemorativo da Batalha de S. Mamede, uma Missa Campal presidida pelo Arcebispo Primaz teria lugar junto do castelo, seguido do hasteamento da Bandeira da Fundação pelo Presidente da República , que regressaria a Lisboa, ao fim da tarde, após 3 dias de hospedagem em Guimarães, no Palacete de Alberto Costa, no lugar do Castanheiro.

Um visita que Guimarães agradeceria na pessoa do Presidente da Câmara Municipal Dr. Augusto Ferreira da Cunha, que, acompanhado pelos vereadores José Mendes Ribeiro Júnior, António Faria Martins e José Rosas Guimarães, se deslocaria expressamente a Lisboa. Uma deslocação na qual marcariam também presença o Eng. Duarte do Amaral, António José Pereira Rodrigues e o Dr. Jorge da Costa Antunes.

 

Eventos de julho

Um outro ponto histórico integrado na programação do Milénio seria a assinatura do 1º. Tratado da Aliança Anglo-Português, firmado em 10 de Julho de 1372, em S. Salvador de Tagilde, entre o rei D. Fernando e o Duque de Lancastre.

Uma evocação que ocorreria nessa freguesia vimaranense em ambiente de festa, que  receberia e forma entusiástica as autoridades de ambos os países, na tribuna instalada junto ao obelisco do arquiteto Sequeira Braga alusivo ao evento. Cerimónia que além dos discursos da praxe pelo Presidente da Câmara de Guimarães Dr. Ferreira da Cunha, padre Abílio Ferreira, pároco da freguesia e do cônsul geral da Grã-Bretanha Wolstan Weld-Forester e a presença do Governador Civil do Distrito tenente-coronel Nery Teixeira, contaria com a presença dos Bombeiros Voluntários de Guimarães, Taipas e Vizela, competindo à Banda Musical desta última corporação a execução dos hinos de ambos os países.

Entretanto, nessa noite, o orador Sérgio Silva Pinto, vereador da Câmara Municipal de Braga e estudioso da matéria, proferiria uma notável conferência na Sociedade Martins Sarmento subordinada ao tema “Guimarães, berço da Aliança”.

Uma alocução bastante aclamada e um trabalho de investigação histórica precioso sobre esta aliança e deste “ cantinho do mundo português onde primeiro se ouviu o brado solene da nossa independência “,  à qual se deve, acrescentaria, “pelo menos, a Inclítica Geração dos altos infantes e assim o nome mais extraordinário do século XV: Henrique, o Navegador”.

Julho seria ainda o mês da Peregrinação jubilar a S. Torcato e da Romaria Grande, que além das festividades habituais contaria com uma procissão entre a cidade e a Basílica torcatense, acompanhada pelas 79 freguesias concelhias, que após a bênção de uma nova imagem do santo ofertada por Maria Eugénia Pimenta Machado, benzida na Igreja da Oliveira, seguiria para S. Torcato.

Paralelamente e assentes na trilogia Ciência, Fé e Trabalho prosseguiriam as exposições Bibliográficas , Arte Sacra e Industrial e Agrícola, que não só  dariam uma perspetiva histórica da cidade, desde a romanização à imprensa periódica vimaranense (1822-1953), como também à vertente artística no âmbito da arte sacra, tapeçarias de Bruxelas, trabalhos de ourivesaria e objetos artísticos como o tríptico “Descida da Cruz”.

No que concerne à Exposição Industrial e Agrícola, patente ao público junto ao castelo, como sempre a amostra das potencialidades vimaranenses na áreas dos têxteis, curtumes, cutelarias  calçado, pentes e ourivesaria, complementadas pela vertentes agrícola que além do ruralismo puro e genuíno dos produtos da terra, abrangiam ainda o folclore e a etnografia, designadamente as festas  e os trabalhos agrícolas.

 

Agosto e as Festas Gualterianas

Como é óbvio as esplendorosas Festas Gualterianas de 1, 2 e 3 de Agosto de 1953 foram o prato forte da programação do mês. Doze bandas de música entre as quais a conceituada Banda da Guarda Nacional Republicana, composta por 106 executantes, dirigido pelo maestro capitão Lourenço Alves Ribeiro,  decorações lindíssimas a cargo dos ornamentalistas Constantino Lira, de Felgueiras e o conterrâneo Bernardo Barreira, dariam som e colorido sensoriais às festividades. Festas que contariam ainda, no sábado, dia 1 de Agosto, com a tradicional Feira Franca e o Concurso Pecuário, patrocinado pelo Grémio da Lavoura, considerado o maior que se efetuava no norte do país.

Por sua vez no domingo e segunda-feira duas corridas de touros, nas quais nomes que ainda hoje recordamos marcaram presença: os cavaleiros Simão da Veiga e Manuel Conde e os espadas Manuel dos Santos e Diamantino Viseu, entre outros. Festa que seria ainda animada com concertos pelas diversas filarmónicas presentes, exibições de ranchos folclóricos e sessões de fogo do ar e preso por pirotécnicos de Lanhelas, Ponte da Barca, Lustosa e Porto d’Ave.

A encerrar, também como soía,  o programa as festividades religiosas no templo de Santos Passos em honra de S. Gualter, que contaram com o talentoso pregador Rev. Frei Mário Branco e, à noite, em apoteose final com a inigualável Marcha Gualteriana, com 10 carros alegóricos.

Porém, em Agosto, ocorreria ainda a 14 de Agosto a Festa do Pelote, evocação patriótica da Batalha de Aljubarrota, que ocorreria no espaço fronteiro da Colegiada e Padrão do Salado.

Uma cerimónia que contaria com uma Missa Campal e discurso alusivo por parte do reverendo  padre José Bacelar da Faculdade Pontifícia de Braga, na qual seriam exibidos o altar castelhano de Aljubarrota de Aljubarrota, em prata doirada e esmaltada, bem como o pelote de brocado de D. João I.

Por sua vez, a 15 de Agosto, após uma missa e Te-Deum, no decurso da manhã, sairia para a rua, da parte de tarde, uma majestosa procissão da Padroeira – Nossa Senhora da Oliveira, que além de quadros litúrgico e históricos do início da nacionalidade e sua independência, fariam desfilar pelas ruas da cidade riquíssimas alfaias e objetos artísticos pertencentes às diversas irmandades e museus locais.

 

AS MARCAS PRESENTES

A cidade de Guimarães conserva ainda no seu património edificado duas marcas desses tempos: a Fonte do Centenário e o Café Milenário.

De facto, a fonte monumental que se implantou no Toural até 2001 e agora se encontra na Alameda Alfredo Pimenta, junto da Escola Secundária Francisco de Holanda, conhecida como Fonte do Centenário, foi colocada em 1953 no Toural, no local onde anteriormente havia estado a estátua de D. Afonso Henriques de Soares dos Reis, que atualmente se encontra na Colina Sagrada.

Realmente esta fonte de autoria do arquiteto vimaranense José António Sequeira Braga,  professor da Escola Superior de Belas Artes do Porto, constituída por um obelisco em granito e uma estátua em bronze, que representa a Vitória ou Independência, cuja escultura é de autoria de Eduardo Tavares, assinala o centenário de elevação de Guimarães a cidade.

Por sua vez, o Café Milenário, perpetrado no livro “Cafés Portugueses, tertúlias e tradições”, seria inaugurado em 14 de Novembro de 1853, cuja denominação teria sido escolhida em honra da história milenar de Guimarães, por serem decorridos mil anos sobre a fundação do burgo que deu origem a esta cidade centenária.

Um café aberto ao público após alguns meses de trabalhos, sob a alçada da Sociedade de  Construções Cari, que se deveu à iniciativa do comerciante Manuel Fernandes Braga, da antiga e conhecida firma Braga &Carvalho e teve a conceção técnica do arquiteto Fernando Doutel, autor do projeto, em parceria com uma equipa constituída pelo Engº. Gomes Alves, os pintores Gouveia Portuense e Francisco Maia e o escultor Hernâni Moreira.

De facto, paralelamente às suas linhas modernas e confortáveis, o novo estabelecimento, destacava-se ainda a sua decoração, designadamente uma pintura moderna representando a criação do mundo e grandes espelhos, nos quais sobressairia um painel de cerâmica representando a fundação da nacionalidade, algumas caravelas alusivas à expansão de Portugal e a fauna e a flora tropical, nomeadamente flores portuguesas e do café. Esculturas que representavam também o nascimento de Vénus e ex-libris do café.

No entanto, um café que ainda hoje,  para além do simbolismo da sua denominação e embelezamento do Toural, conserva alguns aspetos fundamentais da sua arquitetura inicial, em especial  o mobiliário da época e algumas das ornamentações originais.

 

E depois da festa

Depois da festa, ou “Depois dos Foguetes”, com intitula A.L.  Carvalho no seu artigo publicado no Notícias de Guimarães, datado  20 de Setembro, algum desencanto e o incentivo seriam notórios, como se constata nesta passagem:

Já ultrapassamos o Milénio do Burgo, Agora que voltamos à concha, voltamos simultaneamente ao fado trinadinho da Triste Sorte.

Lamuriamo-nos. Carpimo-nos.

- E o Regimento, quando volta?

- E o Liceu Central, quando vem?

 

De facto, não obstante os 50 mil contos em contribuições e impostos, as encomendas postais no montante de 12 mil contos, a duplicação demográfica do concelho vimaranense no decurso dos últimos 100 anos, que nos colocava à frente da população do distrito (97.277 habitantes) e outros argumentos aduzidos, A.L. Carvalho questionaria exortativo:

 “Anda o nosso bornal vazio e dos nossos vizinhos cheio?

Somos estáticos!

Devemos, pois, queixarmo-nos não do alto, mas de nós próprios.

Saibamos, ainda à glória do nosso Milénio, estar de pé. Prestes e prontos para a ação.”

 

Um texto de 1953, que por analepse nos remete e incita, por prolepse, para os ciclos “trinadinhos da Triste Sorte” de ontem, hoje e de amanhã …

Outrossim, “depois dos foguetes”, a festa seria igualmente recordada noutra festa: as Nicolinas. O Pregão de 1953, de autoria de T. Mendes Simões, abordaria o evento, não esquecendo as reivindicações do burgo:

 

“ Tiveste horas de glória, e nobre exaltação,

Nos dias sem igual, da Grande Exposição!

Tiveste horas de honor, tão alto quão lendário.

Nos dias sem igual do nosso Milenário!

(…)

Espera, Guimarães, tiveste uma promessa

Daquilo que faz minga e por aqui começa:

Terás, ó nobre Terra, a despertar cobiça,

O teu monumental Palácio de Justiça!

E muito mais virá, (não é simples papel);

Terás o Regimento e mai-lo seu Quartel!

E para que no fim também não fiques mal,

O Stadio em que jogar’s será Municipal!

Por tudo o que te digo, eu fico fiador …

Por isso, espera … espera … espera, por favor!

 

E a espera continua, por outras esperas …

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