Poetas vimaranenses: Catarina Lencastre
Em 4 de Janeiro de 2024 passaram 200 anos da morte de CATARINA Micaela de Sousa e LENCASTRE, 1ª. Viscondessa de Balsemão e poetisa vimaranense, nascida em 29 de setembro de 1749, dia de São Miguel.
Com efeito, Catarina Lencastre, filha dos senhores de Vila Pouca, é uma das poucas mulheres, além de Leonor de Almeida, conhecida como Marquesa de Alorna, que na época teria marcado a vida poética portuguesa, a despeito da ausência da vate vimaranense da História Literária portuguesa. De facto, mercê da sua obra estar fundamentalmente manuscrita e considerada a sua condição de mulher (aliás a obra da Marquesa de Alorna só seria imprimida e conhecida mais tarde, graças aos seus filhos), Catarina passou despercebida e teria vivido aparentemente satisfeita com o facto de declamar a sua própria poesia. Crê-se até que, apenas algumas odes de incentivo aos soldados portugueses terão sido publicadas em vida, no decurso das invasões francesas.
Com efeito, a poesia de Catarina Lencastre deixaria marcas no seu tempo no âmbito do liberalismo romântico e política pombalina, que apoiou. Poesia que exploraria temáticas diversas como a razão, o amor, a natureza, a felicidade, o pessimismo e o caos e uma produção lírica que leva a pesquisadora e docente universitária Luísa Borralho a referir que “Catarina Lencastre revela-se uma autora exemplar nessa perceção de continuidade e de rotura na história literária”, questionando assim a classificação que lhe foi atribuída de “pré-romântica”.
Com efeito, uma poesia por vezes mordaz e ousada, cuja postura lamenta as ideias preconcebidas sobre a condição feminina e o preconceito que muitas das vezes era transmitido sobre a mulher, que revela ainda uma poetisa comprometida com o seu tempo, abordando temáticas inerentes à época, que vão da Revolução Francesa até à Guerra das Laranjas (conflito que opôs Portugal à Espanha e à França), bem como às invasões francesas e subsequente fuga da família real para o Brasil, assim como a guerra civil portuguesa, travada entre liberais e absolutistas. Uma mulher e poetisa interventiva, que em 1821, já com 72 anos, a levaria a subir ao palco do Teatro São Carlos, em Lisboa, para cantar os libertadores da Pátria, que pediam o regresso do Brasil do rei de Portugal.
Efetivamente, poetisa até ao fim, com alguns dos seus poemas a serem ditados ao seu confessor, na hora da morte. Dois deles compilados e impressos num jornal portuense, dois dias após o seu falecimento:
“Passei dos anos a estação primeira
Livre susto, isento de cuidado,
O meu nome entre muitos foi levado
Sobre as asas de forma lisonjeira.
Busquei do mundo a glória verdadeira
Que pode adquirir um peito honrado
Fugiu de mim o bafo envenenado
Da inveja mordaz, ímpia e grosseira.
Viajei, e com terras estranhas
Amei os meus, e deles fui amada
Cantei heróis, e de outros fui cantada.
E depois de passar coisas tamanhas
Nada ambiciono mais, que descansada
Comer ao pé do lar quentes castanhas.”
“Guardo Deus que do alto desse trono
Lanças o braço ao pecador contrito,
Escuta do remorso o humilde grito,
Das tuas leis perdoa o abandono
Tu, da Graça eficaz único dono,
Que nunca a pena igualas ao delito,
Dá sossego ao coração aflito
Tão próximo a dormir eterno sono
Debaixo de uma mágica aparência,
Encobri requintes de maldade
Mas qual é hoje a triste consequência?
Não me negues, Senhor, tua piedade!
Tiraste-me do abismo da imprudência
Dá-me uma venturosa eternidade.”
Curiosa é também a sua vida pessoal, que a leva a ligar-se à Chapada dos Guimarães, no Brasil. Realmente, casada por procuração, em 1767, com Luís Pinto de Sousa Coutinho (1735-1804), mais tarde o 1º. Visconde de Balsemão e governador de Mato Grosso, no Brasil, entre 1769 e 1772, consta e rezam as crónicas, que o governador português e seu marido terá aceite a sugestão dos portugueses naturais de Guimarães de alterar o topónimo local Santana de Chapada e a denominá-lo Chapada dos Guimarães, cidade que surgiria a partir do aldeamento dos índios Chiquitos. Porém, outras fontes, garantem que o nome Guimarães se deveria a uma homenagem ao conde de Guimarães, por imposição do próprio visconde de Balsemão.
Ora, quer tenha sido por uma ou outra razão, a que eventualmente não seria também alheio as ligações de Catarina a terras vimaranenses, o que é certo é que este mesmo município mantém-se, na área do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, famoso pelas suas cachoeiras, cavernas e lagoas.
No entanto, mais importante no conhecimento desta figura feminina é, de facto e acima de tudo a sua dimensão lírica, certamente desconhecida entre muitos vimaranenses, embora se creia que brevemente será divulgada pela Imprensa Nacional- Casa da Moeda.
Aqui fica, in memoriam, este registo no bicentenário da sua morte.