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Poetas vimaranenses: Catarina Lencastre

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ quarta-feira, janeiro 17, 2024
© Direitos reservados
O mais importante no conhecimento desta figura feminina é, de facto e acima de tudo, a sua dimensão lírica, certamente desconhecida entre muitos vimaranenses.

Em 4 de Janeiro de 2024 passaram 200 anos da morte de CATARINA Micaela de Sousa e LENCASTRE, 1ª. Viscondessa de Balsemão e poetisa vimaranense, nascida em 29 de setembro de 1749, dia de São Miguel. 

Com efeito, Catarina Lencastre, filha dos senhores de Vila Pouca, é uma das poucas mulheres, além de Leonor de Almeida, conhecida como Marquesa de Alorna, que na época teria marcado a vida poética portuguesa, a despeito da ausência da vate vimaranense da História Literária portuguesa. De facto, mercê da sua obra estar fundamentalmente manuscrita e considerada a sua condição de mulher (aliás a obra da Marquesa de Alorna só seria imprimida e conhecida mais tarde, graças aos seus filhos), Catarina passou despercebida e teria vivido aparentemente satisfeita com o facto de declamar a sua própria poesia. Crê-se até que, apenas algumas odes de incentivo aos soldados portugueses terão sido publicadas em vida, no decurso das invasões francesas.  

Com efeito, a poesia de Catarina Lencastre deixaria marcas no seu tempo no âmbito do liberalismo romântico e política pombalina, que apoiou. Poesia que exploraria temáticas diversas como a razão, o amor, a natureza, a felicidade, o pessimismo e o caos e uma produção lírica que leva a pesquisadora e docente universitária Luísa Borralho a referir que “Catarina Lencastre revela-se uma autora exemplar nessa perceção de continuidade e de rotura na história literária”, questionando assim a classificação que lhe foi atribuída de “pré-romântica”.

Com efeito, uma poesia por vezes mordaz e ousada, cuja postura lamenta as ideias preconcebidas sobre a condição feminina e o preconceito que muitas das vezes era transmitido sobre a mulher, que revela ainda uma poetisa comprometida com o seu tempo, abordando temáticas inerentes à época, que vão da Revolução Francesa até à Guerra das Laranjas (conflito que opôs Portugal à Espanha e à França), bem como às invasões francesas e subsequente fuga da família real para o Brasil, assim como a guerra civil portuguesa, travada entre liberais e absolutistas. Uma mulher e poetisa interventiva, que em 1821, já com 72 anos, a levaria a subir ao palco do Teatro São Carlos, em Lisboa, para cantar os libertadores da Pátria, que pediam o regresso do Brasil do rei de Portugal.

Efetivamente, poetisa até ao fim, com alguns dos seus poemas a serem ditados ao seu confessor, na hora da morte. Dois deles compilados e impressos num jornal portuense, dois dias após o seu falecimento:

 

“Passei dos anos a estação primeira                   

Livre susto, isento de cuidado,                                

O meu nome entre muitos foi levado                   

Sobre as asas de forma lisonjeira.                       

 

Busquei do mundo a glória verdadeira                

Que pode adquirir um peito honrado                   

Fugiu de mim o bafo envenenado                         

Da inveja mordaz, ímpia e grosseira.                   

 

Viajei, e com terras estranhas                               

Amei os meus, e deles fui amada                      

Cantei heróis, e de outros fui cantada.                 

 

E depois de passar coisas tamanhas                    

Nada ambiciono mais, que descansada               

Comer ao pé do lar quentes castanhas.”   

   

 

 

“Guardo Deus que do alto desse trono

Lanças o braço ao pecador contrito,

Escuta do remorso o humilde grito,

Das tuas leis perdoa o abandono

 

Tu, da Graça eficaz único dono,

Que nunca a pena igualas ao delito,

Dá sossego ao coração aflito

Tão próximo a dormir eterno sono

 

Debaixo de uma mágica aparência,

Encobri requintes de maldade

Mas qual é hoje a triste consequência?

 

Não me negues, Senhor, tua piedade!

Tiraste-me do abismo da imprudência

Dá-me uma venturosa eternidade.”

 

Curiosa é também a sua vida pessoal, que a leva a ligar-se à Chapada dos Guimarães, no Brasil.  Realmente, casada por procuração, em 1767, com Luís Pinto de Sousa Coutinho (1735-1804), mais tarde o 1º. Visconde de Balsemão e governador de Mato Grosso, no Brasil, entre 1769 e 1772, consta e rezam as crónicas, que o governador português e seu marido terá aceite a sugestão dos portugueses naturais de Guimarães de alterar o topónimo local Santana de Chapada e a denominá-lo Chapada dos Guimarães, cidade que surgiria a partir do aldeamento dos índios Chiquitos. Porém, outras fontes, garantem que o nome Guimarães se deveria a uma homenagem ao conde de Guimarães, por imposição do próprio visconde de Balsemão.

Ora, quer tenha sido por uma ou outra razão, a que eventualmente não seria também alheio as ligações de Catarina a terras vimaranenses, o que é certo é que este mesmo município mantém-se, na área do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, famoso pelas suas cachoeiras, cavernas e lagoas.

No entanto, mais importante no conhecimento desta figura feminina é, de facto e acima de tudo a sua dimensão lírica, certamente desconhecida entre muitos vimaranenses, embora se creia que brevemente será divulgada pela Imprensa Nacional- Casa da Moeda.

Aqui fica, in memoriam, este registo no bicentenário da sua morte.

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