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Antes quebrar que torcer

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ quinta-feira, dezembro 07, 2023
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O assunto [o incidente de 28 de novembro de 1885 em Braga] correria praticamente todas nas páginas dos vários jornais nacionais, dando azo a diversas caricaturas e mobilizando posturas diversas

28 de novembro de 1885 assinala a data em que os procuradores à Junta Geral do Distrito foram apedrejados e apupados nas ruas de Braga, incidentes que provocariam uma das várias disputas entre ambas as cidades minhotas, que na época conduziria à criação do movimento da “União ao Porto”.

O episódio de afronta conta-se em poucas palavras. Braga pretendia alargar os seus cursos complementares de ciências ao liceu local, a expensas dos diversos concelhos contribuintes da Junta Geral do Distrito. Porém, os três procuradores de Guimarães discordam, alegando que Guimarães só era tida e achada para contribuir financeiramente, mas sempre esquecida para receber. Assim, o Dr. José Joaquim de Meira, o Conde de Margaride e José Minotes, os três representantes vimaranenses na Junta Geral do Distrito, opõem-se às pretensões bracarenses e são hostilizados. De facto, no decurso da sessão, espalha-se e insinua-se na cidade bracarense que os representantes de Guimarães estão contra o progresso e manipula-se a população, que nas ruas acaba por insultar os procuradores vimaranenses e lançar pedras, lama e outros objetos de arremesso. Como é óbvio, Guimarães reage à afronta, como nos dá conta o jornal Comércio de Guimarães de 3 de Dezembro de 1885:

 

“O covarde e vil atentado dos selvagens de Braga, ao ominoso crime que, em pleno dia, se tentou perpetrar nas pessoas dos nossos procuradores na capital do distrito, responde a cidade de Guimarães com o mais veemente desforço de que há memória nas páginas da história portuguesa. A municipalidade de Guimarães, depois de interpretar a vontade unânime dos seus munícipes, interrompem as relações oficiais com a capital do distrito e proclama com eles a emancipação da tutela de Braga. Protesto veemente, desforço sublime, em que todos nós somos cúmplices, mas cúmplices VOLUNTÁRIOS!...”

 

De facto, tendo em conta o prestígio dos nossos procuradores e o ultraje manifestado a Guimarães através de processos antidemocráticos e manipuladores, que causaram a maior indignação, a imprensa vimaranense reage e milhares de conterrâneos manifestam-se nas ruas da cidade, ao mesmo tempo que a Câmara Municipal marcaria uma sessão extraordinária, que pedia ao governo “para que apresentasse no parlamento uma proposta de lei tendente a separar o concelho de Guimarães do distrito de Braga e anexá-lo ao distrito do Porto”.

Com efeito e como escreveria o Presidente da Câmara vimaranense, Dr. António Motta Prego,  em ofício enviado à Junta Geral do distrito do Porto “nos parece a pretensão não só exequível, visto que estamos em continuação com o mesmo distrito por Santo Tirso, Felgueiras e Lousada e ligados por um caminho de ferro, mas também inteiramente justa, porque seria uma iniquidade obrigar um concelho a continuar junto a um distrito em cuja capital não permite aos seus representantes a manifestação do seu livre pensamento, sob pena de risco de vida.”

Nessa mesma reunião, realizada no domingo de 29 de Novembro, entre outras atitudes, seria ainda deliberado “que se cortassem as relações oficiais com o distrito de Braga enquanto não fossem dadas satisfações devidas.” Concomitantemente, resolver-se-ia convocar um comício popular para o salão da Associação Artística, cuja convocatória seria subscrita pelo Barão do Pombeiro, Visconde de Lindoso, Visconde de Santa Luzia e várias outras personalidades vimaranenses.

Entretanto, no comício que reuniria cerca de 2.000 pessoas, seria nomeada uma Comissão de Vigilância e Resistência, presidida pelo Barão de Pombeiro, que incluiria vária figuras locais, nomeadamente o Presidente da Câmara, diversas associações e representantes dos jornais locais.

Na circunstância, vários oradores interviriam no comício, entre os quais o Dr. José Joaquim de Meira e o Conde de Margaride, ambos testemunhas e vítimas presentes no agravo bracarense.

O periódico “Religião e Pátria”, datado de 3 de Dezembro, dá-nos conta de uma passagem da preleção proferida pelo Conde de Margaride, que coloca o dedo na ferida da disputa:

 

“Há muitos anos que o nosso concelho, tendo pesadamente contribuído para as despesas distritais, por muitas e repetidas vezes tanto pela voz dos nossos procuradores como pela imprensa, temos protestado contra a injustiça duma grande contribuição e da nenhuma parte que nos tem tocado dessas avultadas quantias sem obras públicas distritais no nosso concelho. Há muitos anos que vemos sair do nosso cofre municipal o dinheiro que nos era necessário para os nossos melhoramentos locais, melhoramentos de que tantos precisamos e tão intensamente são reclamados; mas as quantias que deviam ser empregadas na localidade, são exportadas para Braga e lá distribuídas em benefício do resto do distrito, sem que delas aufiramos nenhum resultado.”

 

Como é óbvio estas situações cavalgam a onda e surgem também em várias outras intercessões, nomeadamente em cartas de protesto. É o caso desta missiva remetida ao Governador Civil de Braga pelo Conde de Margaride:

 

“O ominoso atentado que se deu no sábado, 28 do corrente, foi planeado com antecipação, começou a ter execução na sessão da Junta, quando a propósito de um assunto estranho, a questão do liceu, um procurador por Braga apontou aos procuradores por Guimarães ao furor público, e quando é sabido do Governo Civil, o procurador Meira recebeu sinais de desagrado; continuou durante uma hora na rua enquanto os procuradores jantavam no Hotel de Dois Amigos, junto a um posto de polícia com assobios e assoadas; e completou-se ao regressarem os mesmos procuradores e mais duas pessoas deste concelho pelo acompanhamento de perto de 2.000 pessoas que lhes ladearam os carros primeiramente dando morras a Guimarães e depois atirando aos mesmos carros pedras, que só por acaso feliz os não feriram. Tudo isto sem a menor intervenção da polícia.”

 

Importante na contenda seria ainda a intervenção firme de várias personalidades vimaranenses, em especial Francisco Martins Sarmento, que em vários artigos questiona criticamente os acontecimentos e rebate diligentemente a imprensa bracarense.

Igualmente, o assunto correria praticamente todas nas páginas dos vários jornais nacionais, dando azo a diversas caricaturas e mobilizando posturas diversas, entre as quais da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão, que exararia “um voto de sentimento por tão triste ocorrência”, felicitando os dignos procuradores por saírem incólumes de tão insólita agressão. 

A luta envolveria e exaltaria ainda as damas vimaranenses da Sociedade Martins Sarmento que inspiradas pelo sentimento de amor pátrio resolveram executar por suas próprias mãos uma bandeira para oferecer à Comissão de Vigilância e Resistência. Uma bandeira em seda azul e branca, bordada a ouro, que toma como lema numa das faces o verso de Sá de Miranda “antes quebrar que torcer”, extraído do poema ”A el-rei D. João”, enquanto no reverso se pintam as armas de Guimarães, e em cuja haste seria encimada por uma coroa de folhas de carvalho, de prata com a dedicatória e data de oferecimento.

Esta bandeira seria solenemente entregue à Comissão de Vigilância e Resistência na Sociedade Martins Sarmento, no dia em que o deputado eleito por Guimarães Franco Castelo Branco visitou a cidade, em 9 de Maio, manifestação de bairrismo que contaria ainda com a organização de um cortejo que se deslocaria até à estação do caminho de ferro para receber o deputado, instalado na última das 23 carruagens da comitiva, completamente cheias, que chegariam à estação de Vila Flor entre bandas de música e grande euforia.

Posteriormente, como é sabido, no dia 13 de Janeiro de 1886, o deputado Castelo Branco apresentou na Câmara dos Deputados o projeto de lei que previa a desanexação do concelho de Guimarães do distrito de Braga, juntando-se ao Porto. Porém, não obstante o chefe do governo, José Luciano de Castro ter anunciado que daria ao concelho de Guimarães uma “administração modelada pelo município de Lisboa”, acabando a tutela da Junta Geral Distrital, só após várias vicissitudes e em Outubro sairia o decreto pelo qual o concelho de Guimarães começou a ser autónomo, em 1 de Janeiro de 1887.

Mas, essas outras histórias, bem como outras dos conflitos brácaro-vimaranenses, ficam pendentes para melhor altura …  

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