skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
05 fevereiro 2025
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

Cantar o(s) Rei(s)

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ terça-feira, janeiro 21, 2025
© Direitos reservados
Com efeito, D. Dinis deixar-nos-ia cerca de 137 cantigas (72 de amor, 51 de amigo, 3 pastorelas e 11 de escárnio e maldizer), composições que não só terá composto em verso como também musicado.

Não vamos concretamente cronicar sobre os Reis, como o título insinua, enquanto tradição invocativa da visita dos 3 Reis Magos a Belém. Vamos, isso sim, evocar e cantar um rei português que já foi cantado pelos grandes poetas: D. Dinis, falecido em 7 de Janeiro de 1325, já lá vão 700 anos!

De facto, já lá vão sete séculos que o rei D. Dinis faleceu, tinha então 63 anos, na época uma idade de apreciável longevidade. Um desaparecimento ocorrido após três longos meses de sofrimento, em Santarém, ao lado de sua mulher Isabel de Aragão, a Rainha Santa e seus filhos Afonso, seu sucessor e do conde D. Pedro, senhor de Barcelos e um dos seus filhos bastardos.

Porém, sete séculos passados, um rei que se recorda e evoca merecidamente pelas indeléveis  marcas históricas que nos legaria, enaltecido por cronistas como Rui de Pina e cantado por poetas como Luís de Camões e Fernando Pessoa.

De facto, na obra “Os Lusíadas” (canto III, estrofes 96 a 98), o rei D. Dinis é um daqueles  “que por obras valerosas/Se vão da lei da Morta libertando” e portanto, jamais será esquecido:

 

“Eis despois vem Dinis, que bem parece

Do bravo Afonso estirpe nobre e dina,

Com quem a fama grande se escurece

Da liberalidade Alexandrina.

Com este o Reino próspero floresce

(Alcançada já a paz áurea divina)

Em constituições, leis e costumes,

Na terra iá tranquila claros lumes.

(…)

Nobres vilas de novo edificou

Fortalezas, castelos mui seguros,

E quase todo o Reino reformou

Com edifícios grandes e altos muros;

Mas despois que a dura Átropos cortou

O fio dos seus dias já maduros,

Ficou-lhe o filho, pouco obediente,

Quarto Afonso, mas forte e excelente.”

 

Deste modo, Camões canta (hiperbolicamente) o rei D. Dinis como mais generoso e magnânimo que Alexandre Magno. Ademais, no decurso do seu reinado, com o país já em paz, após a conclusão da reconquista cristã, enleva-o como um rei que trouxe a prosperidade ao seu povo, espoletadas pelas reformas das leis e costumes.

Recorde-se,  a talho de foice, que as Cortes de Guimarães de 1288, no seu reinado, vão dar origem à Inquirições Gerais que D. Dinis ordena por carta de 13 de Julho desse ano, nomeando como componentes da Comissão de Inquérito o prior da Costa, Gonçalo Rodrigues de Morais e Domingos Pais de Braga, todos os três procuradores do clero, nobreza e povo.

Porém, nestas estrofes, Camões faz ainda alusão às construções e reparações de vilas e fortalezas, palácio e muralhas, que entre outras englobaram  a segunda linha defensiva das muralhas de Guimarães, que protegiam a vila de baixo, nomeadamente a Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Igualmente, faz uma referência aos desentendimentos entre D. Dinis e o seu filho (“pouco obediente” e futuro rei D. Afonso IV) que dariam azo a várias disputas entre ambos. Relembre-se a este propósito o cerco de Guimarães (1322), no qual o alcaide da cidade-berço defendeu lealmente os interesses de D. Dinis, bem como a batalha de Alvalade (1323), travada pela intervenção da Rainha Santa Isabel, que intercedendo entre o esposo amargurado e o filho ambicioso evitou o derramamento de sangue.

Anos mais sombrios, em que ocorreria também um terramoto que assolou Lisboa, em 1321,  na altura e na circunstância interpretado como castigo divino pelos desentendimentos familiares entre o pai e o filho.

 

 Igualmente, Fernando Pessoa no seu poema “D. Dinis”, inserido na sua obra “Mensagem”,  dilucida-.nos de forma épico-lírica sobre a dimensão deste rei e amante das letras:

 

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo

O plantador de naus a haver,

E ouve um silêncio múrmuro consigo:

É o rumor dos pinhais que, como um trigo,

De Império, ondulam sem se poder ver.

 

Arroio, esse cantar, jovem e puro,

Busca o oceano por achar;

E a fala dos pinhais, marulho obscuro,

É o som presente desse mar futuro,

É a voz da terra ansiando pelo mar”

 

Com efeito, como bem canta Pessoa, um rei-trovador que escreve poesia trovadoresca e inicia a literatura portuguesa (“arroio, esse cantar, jovem e puro”). Outrossim, um predestinado e visionário que mandou plantar pinhal de Leiria, que mais tarde forneceria madeira para a construção das naus das descobertas: “o plantador da naus a haver”. Um rei- poeta e clarividente que sabe ouvir e pressentir profeticamente: “  a fala dos pinhais, (…)/ o som presente desse mar futuro,/ a voz da terra ansiando pelo mar”, numa cosmovisão transcendental da História e desta figura ímpar, dotado com a capacidade de escutar a voz dos deuses.

Efetivamente, nos 46 anos do seu governo, D. Dinis, rei do Reino de Portugal e dos Algarves, aclamado em Lisboa em 1279, foi um dos principais responsáveis pela criação da identidade nacional, não só pela definição das suas fronteiras, através da assinatura do tratado de Alcanizes, na província de Zamora, subscrito pelo soberano de Leão e Castela (1297),  como também pela instituição da língua portuguesa como língua oficial da corte.  De facto, após a separação do galaico-português em duas línguas (o galego e o português), o rei D. Dinis,  ordenou que todos os documentos oficiais fossem escritos em português, decisão que levou ao crescimento e solidificação da  nossa língua. Dinâmica cultural que passaria ainda pelo apoio e criação da primeira Universidade, em Lisboa (mais tarde transferida para Coimbra), bem como outras iniciativas pessoais como a libertação das ordens militares no território nacional das influências estrangeiras. Lembre-se que os Templários seriam inteligentemente  “reabilitados” em Portugal, como Cavaleiros da Ordem de Cristo, não obstante as perseguições que lhe foram movidas pelo poder secular de Roma e pelo papa Clemente V, assim como pelo  rei francês Filipe IV, o Belo., que levaram à execução do grão –mestre templário Jacques de Molay (1292-1314),  que amaldiçoando ambos de morte viria a sua imprecação consumada, meses depois. .

No entanto, um reinado que foi ainda capaz de dinamizar economicamente o reino, criando novos concelhos e feiras, ou promovendo a exploração mineira, bem como organizando a exportação de excedentes, que teria um ponto alto em 1308 com a assinatura do primeiro acordo comercial  com a Inglaterra. De facto, graças ao seu centralismo régio e clarividência, el-rei D. Dinis mudaria os rumos do reino e inovaria o país em muitos aspetos, como seria exemplo a fundação da marinha portuguesa, em 1312, para a qual nomearia como 1º. Almirante o genovês Manuel Pessanha , medida que seria complementada com o lançamento das bases da construção naval, com a edificação de várias docas.

Mas, D. Dinis (1261-1325), cognominado como o rei Lavrador, pelo impulso que deu à agricultura , em especial na fundação de várias comunidades rurais, foi acima de tudo um excelente administrador do seu reino  e exímio diplomata que soube ultrapassar as mais diversas situações, designadamente o conflito com a Igreja Católica herdado de seus antecessores . Com efeito, após profícuas tentativas de entendimento, D. Dinis assinaria a uma concordata com o papa Nicolau IV, em 7 de Março de 1289. Sucessos na política externa que marcariam também outros aspetos do  seu reinado, logo indiciados  no seu casamento com Isabel de Aragão, em 1282..

Mas D. Dinis foi também um rei-poeta, ele que pelo lado materno descendia do grande Afonso X, o Sábio, rei de Leão e Castela e seu avô, um eminente homem de letras, que certamente o insuflou com os genes da sabedoria.

Com efeito, D. Dinis deixar-nos-ia cerca de 137 cantigas (72 de amor, 51 de amigo, 3 pastorelas e 11 de escárnio  e maldizer) composições  que não só terá composto em verso como também musicado muitas delas. Deste modo, a produção poética do rei-trovador é provavelmente a mais rica e importante do lirismo trovadoresco galego- português que chegou até nós pelos apógrafos quinhentistas, que não só revela o conhecimento do lirismo provençal como também o cultivo da tradição poética autóctone.  De facto, cantigas de amigo como “Ai flores, ai flores do verde pino” ou cantigas de amor como “Senhor, eu vivo coitada” , “Que soidade de minha senhor ei” ou “Proençaes soem mui bem  trobar”, entre muitas outras,  são certamente conhecidas dos  nossos leitores …

Porém, apesar da passagem dos séculos, uma poesia que manteria a sua presença na música popular e em muitos movimentos como o renascimento, o romantismo e até autores da atualidade. É o caso de “Variações sobre Cantares de D. Dinis” de Jorge de Sena (1919-1978), poema inserido na obra “40 Anos de Servidão”, inspirado no corpus poético dinisino, concretamente “Ai flores, ai flores de verde pino”:

 

Ai flores, ai flores de verde pino,                          Ramo verde florido

Se sabedes novas do meu amigo!                          florido de bela flor,

Ai Deus, e u é?”                                                         do meu amor tão querido.                           

(…)                                                                               Onde está o meu amor?”

                                                                                     (…)

  1. Dinis, um rei que cantou e merece ser evocado e cantado …
Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #86