Carlos Paredes
Em Fevereiro vem à memória o centenário de nascimento de Carlos Paredes (1925-2004). De facto, o genial e imortal guitarrista, considerado “sinónimo da guitarra”, nasceu em 16 de Fevereiro, em Coimbra e legou-nos uma poderosa herança de música popular portuguesa, fado e música clássica, de que foi compositor e executante. Efetivamente, conhecido como o “mestre da guitarra portuguesa ou o homem dos mil dedos”, filho de Artur Paredes e neto de Gonçalo Paredes, ambos exímios guitarritas coimbrões, Carlos Paredes (CP) levou para Lisboa, para onde se deslocara com a família, com apenas 9 anos, uma nova escola e cultura musical de valor incalculável:
“Nestes anos, creio, inventei muita coisa. Criei uma forma de tocar muito própria que é diferente da de meu pai e de meu avô.”
Paredes, com efeito, que nunca se cansava de aprender, desde a pré-primária musical iniciada aos 5 anos, seria um inovador nas linguagens musicais, que fez da música um ato de amor, pois, como diria, “para se fazer música com prazer tem importância a amizade entre as pessoas.”
E de facto, na sua simplicidade e modéstia, mas também grandeza, Paredes seria um homem de relações humanas fortes, que com o seu espírito de abertura daria azo a conceder a alguns o privilégio de participarem intimamente na sua arte. Contam-se entre esses e outros Fernando Alvim, Luísa Amaro, Victorino de Almeida e Charlie Haden, mas também Adriano Correia de Oliveira (“Que nunca mais”), Carlos do Carmo (“Um homem num país”) ou Manuel Alegre “É preciso um país”).
Com efeito para além de inúmeros álbuns em colaboração, antologias e colaboração musical em coreografias, teatro (“ O avançado centro morreu ao amanhecer”) e vários filmes como de Jorge Brum Castro, José Fonseca e Costa e Manoel de Oliveira, entre outros, CP legar-nos-ia uma obra ímpar e singular que pessoalmente passaria também pela edição de várias trabalhos discográficos, iniciados em 1967 com “Guitarra Portuguesa”. Salientem-se “Movimento Perpétuo” (1971) e já na década 80 “Concerto de Frankfurt” (1983), “Espelho de Sons” (1987 e “Asas sobre o mundo” (1989). Uma produção musical que terminaria com “Canção para titi: inéditos 1993”, editado no ano 2000 e que apenas seria interrompida por uma doença do sistema nervoso central que impediria CP de tocar nos últimos 11 anos de vida.
Realmente, compositor e guitarrista de excelência, consta que a música de Paredes fazia (e faz ainda) chorar. Porém, modesto como sempre e era próprio da sua idiossincrasia, mais importante que o executor era o instrumento, que na perspetiva de muitos chora e faz chorar:
“Já me tem sucedido fazer as pessoas chorar enquanto eu toco … Eu não compreendia isto, mas depois percebi que é a sonoridade da guitarra, mais do que a música que se toca ou como se toca, emociona as pessoas.”
Ademais, Paredes foi também, para além de exímio artista, um homem de grande respeito pelos outros e de fortes e firmes convicções, mesmo quando o sonho socialista vacilaria. Efetivamente, militante do PCP desde 1958, ano das eleições presidenciais entre Américo Tomaz e Humberto Delgado, PC lutaria até à morte pelos seus ideais, facto que o levaria à prisão política nesse mesmo ano, situação que igualmente lhe acarretaria a expulsão da função pública. Porém, nada faria desistir este arquivista de radiografias, a sua profissão de sempre, de lutar pelos seus ideais, e posteriormente, pós-25 de Abril, regressar ao seu posto de trabalho de arquivista, que com toda a humildade de funcionário conciliava plenamente com a de notável compositor e guitarrista.
Obviamente, pela sua vida e obra, Paredes ficaria memorado entre nós e reconhecido pelo seu valor. Deste modo, seu nome está evocado em toponímia de várias localidades, auditório na freguesia de Benfica (Lisboa) e no Prémio Carlos Paredes, promovido pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Destaque-se, ainda e sobretudo que CP seria merecidamente galardoado pelo Presidente da República Mário Soares com a comenda da Ordem Militar de Sant’Iago e Espada, no decurso de 1992.
Entretanto, em 2025, no ano do seu nascimento, estão também previstos mais de 100 eventos comemorativos e evocativos, como concertos, colóquios, filmes, oficinas, roteiros, todos eles sublinhando a genialidade e imortalidade de Paredes, que ao que consta se estenderá por todo o país, percorrendo ao longo do ano várias cidades em 12 países de quatro continentes, num programa que já foi amplamente divulgado. Uma iniciativa que contará com Artes Performativas e Música, que incluirá concertos e espetáculos associados à sua obra, mas também uma componente direcionada para a Investigação, Memória e Património, centrada na sua obra fonográfica, exposições, edições de livros e discos, bem como documentários e filmes, tertúlias e colóquios. Ainda, ocorrências que serão extensíveis aos Programas Educativos, cuja dinâmica abrangerá workshops, visitas e espetáculos para crianças e jovens de vários grupos etários.
Eventos que especificamente, entre outros, levarão Paredes à Exposição Mundial de Osaka de 2025, replicando a sua ida ao Japão à mesma exposição, em 1970 e ainda a vários festivais em todo o mundo. Mas também, que proporcionarão edições de livros e documentários como “Paredes Guitarrista”, “Regresso” e “Estação Paredes” e muitas outras realizações nas mais diversas vertentes artísticas.
Ignoramos se Guimarães está no mapa destas realizações, ou se porventura as associações vimaranenses suprirão as habituais lacunas nacionais.
Veremos …
À laia de desfecho e consolação, se mais não houver, deixamos “Verdes anos”, a canção composta para o filme homónimo de Paulo Rocha (1963), incluído no disco “Guitarra Portuguesa”, quiçá o mais conhecido êxito instrumental de Carlos Paredes. Uma canção cantada por Teresa Paula Brito (e posteriormente outras intérpretes), com letra do poeta Pedro Tamen:
Era amor
Que chegava e partia
Estamos os dois
Era um calor, que arrefecia
Sem antes nem depois
Era um segredo
Sem ninguém para ouvir
Eram enganos e era um medo
A morte a rir
Dos nossos verdes anos
Foi o tempo que secou
A flor que ainda não era
Como o outono chegou
No lugar da primavera
No nosso sangue corria
Um vento de sermos sós
Nascia a noite e era dia
E o dia acabava em nós.”
Um tema de amor nos anos da juventude (os “verdes anos”) que traz também à colação neste mês de Fevereiro o Dia dos Namorados (14 de Fevereiro) e a tradição vimaranense da “Cantarinha dos Namorados”, numa oportunidade para celebrar o amor e Carlos Paredes.
Um tema para ouvir e recordar os “verdes anos”, ou interiorizar por todos aqueles que vivenciam essa idade da adolescência em que despertam os sentimentos.
Renovo portanto o convite de partilha e preito: ouvir Carlos Paredes …
Na realidade, ouvir as suas músicas será a nossa justa homenagem ao compositor e guitarrista, que apesar de falecido em 23 de Julho de 2024 está (sonoramente) vivo entre nós, apesar da sua guitarra enterrada:
“Quando eu morrer, morre a guitarra também. O meu pai dizia que, quando morremos, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele. Eu desejaria fazer o mesmo. Se eu tiver de morrer” …
De facto, Carlos Paredes não morreu, pois a sua guitarra ainda toca melodiosamente. Ademais, como disse Fernando Pessoa, “a morte é a curva da estrada/morrer é só não ser visto”…