Entre outubro e Novembro
Ainda que praticamente (quase) tudo haja sido dito em matéria de eleições autárquicas, com ganhos e perdas, vitórias de Pirro e derrotas vitoriosas, o mais importante é que a democracia funcionou e o fim do bipartidarismo tão propalado por votos venturosos não se verificou em moldes expetáveis. Conclui-se ainda que, goste-se ou não se goste, que há uma matriz central sufragada e a ponderar, particularmente por parte daqueles que se dizem herdeiros de Francisco Pinto Balsemão e Álvaro Laborinho Lúcio, mas que por vezes parecem não enxergar as heranças através dos olhos esconsos da burca.
Ora, em Guimarães, foi forte a enxurrada no que concerne às autárquicas, decorrente de um tornado já verificado 36 anos atrás e de caudais inesperados resultantes de intensos aguaceiros, e centros ciclónicos instalados entre Santa Clara e o Toural. De facto, menosprezando os alertas laranjas, assim como as condições meteorológicas derivadas de microclimas registados, o sistema hidrográfico rebentou pelas costuras, de tal forma que nem as bacias de retenção das Hortas conseguiram suster a tromba de água (im)prevista, de maneira tão veemente que nem a Capital Verde Europeia faria supor. Assim, subsequentemente, as águas rebentariam, como tem sido norma em partos de emergência ...
Deste modo, do Ave ao Vizela, até às margens do Selho, a água foi tanta, que futuramente, em alternativa ao Metrobus, ou metro de superfície, se equacione a hipótese de encomenda de uma frota de lanchas rápidas, admitindo-se até que teria sido um erro logístico a aquisição dos autocarros elétricos chineses.
Realmente, não há Plano Diretor Municipal previsível que possa ter em conta situações estratégicas e de terra à vista, que nem os gajeiros da nossa praça avistaram das gáveas do poder! Felizmente, porém, perante a intempérie, o PDM seria atempadamente suspenso, de molde a permitir uma nova bitola microclimática.
De facto, pela confluência (im)prevista do Rio da Vila/Couros e do Rio Herdeiro/Castanheiro, formando o Celinho, que correndo pela veiga de Creixomil fora, a água inundou o concelho, já congestionada pelo tráfego até nó da autoestrada, de modo que os estragos estender-se-iam por este território fora até ao Febras, ao rio Pequeno e mesmo ao Truta e Rio Cabra/Pombeiro.
Como é óbvio, terá também contribuído para este cataclismo a erosão de muitos terrenos, nem todos eles oportunamente protegidos por diligentes castores de serviço, que continuam a dar tiros nos pés.
Com efeito, para além do querer divino que levaria ao grande dilúvio, seria graças a outras águas, desta feita por vontade popular, que a chuva inclemente chegaria mesmo a penetrar no âmago do sagrado, tal como ocorrera já na Igreja da Costa, apenas protegida por para-raios, que, ao que consta, também dava indícios de infiltração latente, tipo e-toupeira, no primeiro andar do edifício do Palácio da Justiça ...
Porém, refletir sobre o passado é tão importante como pensar o futuro, pois, obviamente, depois da tempestade vem (geralmente) a bonança. No entanto, um devir que não pode, nem se compadece, como habitualmente sói dizer-se, em mudar tudo sem avaliação, geralmente com o objetivo de servir novas clientelas e a endogamia social. De facto, importa discernir claramente entre cargos meramente políticos, certamente a merecer um vínculo de confiança e as funções técnicas específicas, a serem avaliados pela meritocracia. Infelizmente, porém, esta não tem sido esta a prática e a tónica a nível local e nacional, com consequentes resultados à vista em vários setores, nomeadamente na saúde, proteção civil, ou emergência médica, entre outros.
Entrementes, entre estes tempos de esperada bonança do Verão de S. Martinho e dos nimbos violentos que assolaram estes dias, a nefrologia registaria ainda algumas abertas na nossa cidade, nestes tempos recentes, tendentes a aboar o tempo, como se diz cá no Minho.
Com efeito, citem-se entre outros, o novo lançamento do projeto de adaptação da ex-Escola de Santa Luzia a residência universitária, com a criação de 350 camas financiadas pelo PRR, que mercê da insolvência do ex-empreiteiro vai agora custar mais 2,2 milhões de euros. Registe-se ainda a “febre” escultórica, como a homenagem prestada ao vimaranense José Lobo, pela sua prestimosa ação no associativismo nos Unidos e Trovadores do Cano. Contudo, um movimento estatuário que passaria ainda pela implantação no Largo da República do Brasil, de mais uma escultura, devotada ao apóstolo S. Tomé, que cofinanciada pela Câmara, ver para crer, vai certamente exigir uma outra do lado oposto, para manter a simetria. Porém, como os apóstolos são 12, não faltarão certamente outras ocasiões para o estado laico repor o equilíbrio ...
Mas, como não há duas sem três, ficaria ainda na pasta de transição o monumento à Batalha de S.Mamede, absolutamente necessário, que bem gostaríamos fosse acompanhado literariamente pelos “Lusíadas” (estrofe 31 do canto III) e pela “Mensagem” (poema a D. Afonso Henriques).
Todavia, por falar em livros, não podemos também de deixar de falar do fervor literário e histórico, nestas horas de despedida e de legados. Deste modo, dariam à estampa, como cantos de cisne, as publicações “Plano Diretor de Guimarães - Plano Diretor Municipal 2025”, que documenta a revisão do PDM e traça a estratégia do desenvolvimento urbano do concelho, bem como “Guimarães, uma história feita futuro”, numa edição promovida pelo município que reúne imagens e textos sobre o percurso da cidade entre 2013 e 2025, nos mandatos de Domingos Bragança. Edições a que se ajuntam e se complementam, os anais de “António Magalhães - o Construtor da Guimarães Cosmopolita”, de autoria de Raul Rocha, alusivo ao autarca que governou a cidade vimaranense durante 24 anos, no decurso da transição do século findo e atual.
Curiosamente, os 36 anos de poder que cairiam do pedestal, que não obstante vicissitudes várias, falhas e erros, goste-se oiu não, constituem um precioso legado.
Mas, nesta autárquica cruzada
Entre Ricardos, da Costa e Araújo,
O coração de leão e dono d’ espada,
Foi nas águas pr’a quem foi marujo!
Entrementes, pelo burgo, registamos ainda como positivas, nos tempos recentes, as referências do National Geographic a Guimarães, considerando-a uma cidade com um pé no passado e outro num futuro da tecnologia verde, a visitar em 2026, no contexto da sua consagração de Capital Verde. Europeia. Visitas que, contudo, carecem de ser preparadas, certamente para além do (tradicional) passeio corre-corre pelo Centro Histórico, com pressa do almoço fora de portas!
Uma distinção que permite ainda à cidade receber também o Fórum Ambiente de Eurocities, um dos mais importantes encontros europeus dedicados às políticas urbanas da sustentabilidade. Igualmente e curiosamente, uma situação coincidente com a distinção da Vimágua pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos) com o selo “Qualidade Exemplar da Água” e, noutra dimensão, a atribuição do prémio “Good Design do Japão” à Cutipol, a primeira marca portuguesa a receber o galardão.
Por seu turno, pela negatividade, de salientar, a subida do desemprego em Guimarães, no mês de Setembro, em 6,9% e a liquidação dos bens das empresas regionais Cottonsmille e Polopique. Situações disfóricas que se estendem ainda ao encerramento das Unidades de Cuidados Continuados da Santa Casa de Guimarães, por acumulação de défices anuais de cerca de 300 mil euros, uma vez que os valores pagos pelo Estado não acompanham o aumento das despesas. Outrossim, o encerramento da Unidade de Longa Duração do Centro Social da Paróquia de Nespereira, ainda que se preveja uma nova resposta social.
Ademais, neste mês de Outubro que acaba e Novembro que se inicia, consubstancia-se também a apresentação do Orçamento de Estado, antecipadamente viabilizado na generalidade, que segundo consta não suporta espaço de manobra para alterações na especialidade e, por outro lado, se encontra sob a “suspeição” do Conselho de Finanças Públicas, que o considera apoiado em medidas pontuais e receitas de carácter extraordinário que suscitam dúvidas quanto à sua sustentabilidade e concretização.
Com efeito, são cinzentas as nuvens que pairam na imprensa, cujos títulos agoiram outras enxurradas, pois como sabemos e dita o anexim popular “água mole em pedra dura, tanto dá até que fura.”
Perscrutemos alguns desses nimbos pardos que pairam nos céus deste país, por vezes azul:
- Rejeição do aumento de pensões mais baixas e promessas de novo suplemento extraordinário em caso de folga orçamental (é possível que, graças a Deus, haja uma folguinha esmoler aquando de eleições próximas);
- Movimento Porta a Porta convoca protesto para denunciar atrasos de “um ano” nos apoios para o pagamento da renda de casa (sem comentários);
- Ordem para hospitais cortarem despesa. Mesmo que importe abrandar a atividade (note-se que em algumas dicionários e enciclopédias “cortar” pode ser apenas significar poupar
- Pagamentos em atraso no SNS atingem valor mais alto dos últimos sete anos, apesar da injeção de 200 milhões de euros em Julho para abater a dívida a fornecedores (será que isto ainda lá vai com injeções?!);
- Privados “viram costas” a parcerias com o SNS;
- Casos prioritários à espera de consulta duplicam num ano;
- Portugal é o país da União Europeia onde as casas estão mais sobrevalorizadas (sem comentários);
- Custo dos alimentos portugueses convidam cada vez menos amigos para comer em casa (...) e procuram marcas brancas (pois o cabaz vai cada vez mais leve e com o valor mais alto em 3 anos: mais de 8% desde Janeiro);
- Bancos cobram 6,2 milhões por dia de comissões sem comentários);
- Greve Geral: UGT e CGTP preparam protesto para o início de Dezembro (o que já não acontece há 12 anos, desde os tempos da troika);
- Paulo Lopes Silva acusa Governo de não cumprir promessas de ajuda à comunicação social;
- Paulo lopes Silva questiona Ministra da Cultura sobre a Batalha de S. Mamede e financiamento do CIAJG;
- etc ...
De facto, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar” ...
Poderíamos até multiplicar os exemplos, mas a crónica vai já longa e certamente muito haverá ainda para contar nos tempos mais próximos, para os quais se vislumbram entre os nevoeiros, laivos de sebastianismo pass(ad)ista.
Um país que canta o seu mal e espanta, em quadras populares e de desafio entre o senhor Contente e o senhor Feliz ...