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Escrever é lutar! Escrever é lutar!

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ segunda-feira, abril 15, 2024
© Direitos reservados
Guimarães sempre esteve na linha da frente da insurgência democrática e luta pela liberdade, como o explicitam os 25 depoimentos que a obra “Guimarães – Daqui houve Resistência” (2014).

Para quem se lembra do primeiro 1º. de Maio de 1974, recorda-se certamente destas palavras de ordem proferidas pelo escritor Ferreira de Castro, no decurso dessa manifestação. O autor faleceria cerca de dois meses depois, a 29 de junho, mas felizmente ainda pode gritar, como Jorge de Sena, “não hei de morrer sem saber/qual a cor da liberdade”.

Ora, 50 anos volvidos, diria, nos tempos que correm, que não hei de viver sem defender a cor da liberdade: verde, vermelho e amarelo …

E de facto, desde sempre, “daqui houve resistência” nas mais diversas formas de luta e de armas, entre as quais pela via da escrita. Efetivamente, como diria o nosso épico, “numa mão sempre a espada e noutra a pena”, Guimarães sempre esteve na linha da frente da insurgência democrática e luta pela liberdade, como o explicitam os 25 depoimentos que a obra “Guimarães – Daqui houve Resistência” (2014), coligidos pelo advogado vimaranense César Machado, coordenador da publicação. Efetivamente, desde os homens de armas e do MFA, como o então capitão vimaranense (e atual coronel) Rui Guimarães, a quem será devotado tributo no próximo dia 27 de Abril, no Teatro Jordão, no âmbito da iniciativa “Cantar Abril” , promovida pelos Osmusiké , ou José Casimiro Ribeiro, no contexto da LUAR , é evidente a assunção de que “mesmo na noite mais triste/em tempo de servidão/há sempre alguém que resiste/há sempre alguém que diz não.”

“25 - Guimarães Daqui Houve Resistência” é, por conseguinte, uma compilação elucidativa de que escrever é lutar. Luta que passaria também pelo canto, pelo sindicalismo como o recorda o depoimento de Lurdes Mesquita, pela ação política e cultural como Santos Simões, pela luta académica como Alberto Martins, premonitoriamente nascido a 25 de Abril. Estes são de facto alguns dos 25 nomes de depoentes e testemunhos, entre muitos outros que lutaram e escreveram nesses tempos que “foram dias foram anos/a esperar por um só dia”.

Ora, nestes 50 anos da Revolução dos Cravos, ações e atividades diversas se programam para evocar e continuar a luta por Abril. Desde logo, a feliz iniciativa de adaptar (parcialmente) o livro atrás citado a uma série televisiva de cinco episódios, que a RTP exibirá em Outubro deste ano, em produção local da Olho de Vidro – Associação Cinematográfica de Guimarães.

Mas destacaria ainda a publicação do livro de poesia “Aquela linda e serena madrugada (50 Anos, 50 Poemas)” do poeta vimaranense José Fernandes Matos, recentemente saído do prelo, que neste combate expressa diacronicamente esse cinquentenário de vida, que remonta ainda aos tempos da outra senhora.

De facto, desde a “Hora de Despertar”, assim se intitula o poema de abertura, a poesia  está na rua faz o seu caminho, quando ainda “no ar circula um perfume novo/saído da noite, do sonho, da luz (…)/ um aroma com odor a terra, seiva,/ mosto, fermento, alga ou urze”. A madrugada de Abril vinte e cinco que “encurralou o lobo no seu esconderijo.”

Com efeito, uma história em verso, contada nos poemas iniciais e mais antigos em cariz mais narrativo, em tom e estilo próximo de Ary dos Santos e a sua “As Portas que Abril abriu”, que evocam liricamente a madrugada de Abril vinte e cinco, quer nas ocorrências quer nas as lutas e conquistas para derrotar os adamastores ditatoriais que impediam navegações “por mares nunca dantes navegados”, que o poema “Meu país meu país” deseja descobrir:

 

“Aqui, no cimo do convés

relembro teu nome solene e puro

das novas e velhas caravelas

rasgando as velas contra as marés

à procura de um outro futuro.”

 

Com efeito, como canta no poema “Abril com asas para voar”, o vate mantém acesa a chama de Abril, não obstante as tempestades da viagem, pois, como afirma “temos tudo para sermos felizes/asas de gaivota para voar sobre as ondas/olhos abertos para observar a luz, a sombra (…) apesar dos velhos do Restelo/que anunciam mil desgraças,/oferecendo tudo o que não podem dar”.

De facto, como também canta Manuel Alegre “eu vi Abril por fora e Abril por dentro/vi o Abril que foi e Abril de agora/eu vi o Abril em festa e o Abril lamento/Abril como quem ri como quem chora (…) Abril já feito. E ainda por fazer”, é preciso afirmar que a luta continua com os pés bem assentes na terra e os olhos no céu. Assim, como canta Sophia, “esta é a madrugada que eu esperava/o dia inicial inteiro e limpo/onde emergimos da noite e do silêncio/e livres habitamos a substância do tempo”; ou seja, esta é a madrugada que desejamos doar e perpetuar para os vindouros “ad aeternum”, pelo que se torna imperioso (salva)guardar este tesouro.

Porém, como escrever é lutar, este 25 de Abril trouxe ainda à liça Fernando Capela Miguel, a propósito do aniversário do nascimento de Joaquim dos Santos Simões e da homenagem que lhe é devida, presente no título “Histórias da Liberdade e da Resistência” . Um livro com catorze histórias e prefácio de José Silva Melo, que percorre barricadas de resistência em companhia de nomes históricos como Humberto Delgado e/ou que iludem a vigilância dos bufos (os chamados “ casos de gabardina”). Igualmente narrativas que vencendo denúncias e perseguições e mostram os caminhos solidários da camaradagem comprometida. Ademais, histórias que, além de ser imperativo ficarem registadas nos anais da vida democrática vimaranense, permitem evocar espaços físicos e sociais de referência, como o Círculo de Arte e Recreio (CAR) e o Cineclube, instituições de janelas abertas ao mundo, bem como nomes mais ou menos conhecidos que, sendo “sempre os mesmos”, eram porventura diferentes …

Efetivamente, narrativas reais que recordam ainda nomes como Arlindo Vicente, os tratamentos político-termais de Ferreira de Castro pelas margens do Ave e até um torneio medieval que proporcionaria a fuga de um casal perseguido pela PIDE …

No fundo, três iniciativas elucidativas de que escrever é lutar e que a memória do passado é um instrumento fundamental do futuro. Realmente, tal como no passado “É preciso um país”, como canta Manuel Alegre:

 

“Não mais Alcácer Quibir

É preciso voltar a ter uma raiz

um chão para lavrar

um chão para florir

É preciso um país.

 

Não mais navios a partir

para o país da ausência.

É preciso voltar ao ponto de partida

é preciso ficar e descobrir

a pátria onde foi traída

não só a independência

mas a vida."

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