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Isabelino Coelho

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ sábado, abril 06, 2024
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A partir dos anos 70, o artista autodidata percorreria o mundo com a sua “pintura primitiva moderna”, quer em exposições individuais quer coletivas, que lhe valeriam várias menções honrosas e prémios.

Nascido há 100 anos atrás na freguesia da Oliveira, concretamente a 11 de Abril, o pintor naïf vimaranense José ISABELINO Martins COELHO (1924-2013) exerceu durante vários anos funções administrativas no ensino superior, em especial na Universidade Coimbra e Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP).

Ora, teria sido exatamente na ESBAP que Isabelino Coelho despertaria para o mundo estético, já latente intrinsecamente desde a adolescência. De facto, como nos conta no texto datado de 13 de Dezembro de 1996, intitulado “A Minha Descoberta da Pintura na ESBAP” , afirmaria:

“(…) Atingido pelos hálitos dos pigmentos e por essa ambiência artística impregnada de um grande humanismo, a minha sensibilidade artística, hibernada desde os 13 anos de idade, foi despertada para o mundo dos sonhos e da fantasia. Naquela idade, uma reprovação nos estudos mereceu uma punição de meu pai – trabalhar numa oficina de marcenaria no período das férias grandes. O resultado foi a execução do meu primeiro trabalho em talha - o retrato de Richard Wagner.

Alheio a todo o ensino da pintura, foi o funcionário Manuel Campos, que apoiava as aulas de tecnologia, que me ensinou a mexer nos pincéis, a diluir as tintas e colocá-las na paleta. A pintura manifestou-se pelo estilo “naïf” que nada tem a ver com os modelos de ensino daquela Escola, hoje Faculdade integrada na Universidade do Porto. Desde o início procurei criar uma técnica diferente, fabricando os meus próprios pincéis, mas a morosidade da sua execução levou-me a abandoná-la (…)

Com efeito, é na qualidade de autodidata que Isabelino, já com cerca de 40 anos, solta o apelo imanente que lhe vai no âmago, que em 1970 o leva à estreia pública numa exposição individual na Galeria Alvarez, no Porto. Um espoletar estético que alguns críticos insinuam decorrer duma libertação do meio burocrático e real do mundo profissional, a que não serão alheias as influências das pinturas da selva de Henry Rousseau e o ”Jardim das Delícias” de Jerónimo Bosch. Porém, uma composição e modelagem de figuras independentes de qualquer tradição académica, irradiando uma grande força poética naïf. Uma pintura que, como ele próprio definiria no texto citado, envereda pelos caminhos novos da denominada “pintura primitiva moderna”:

“Na minha opinião a pintura “naïve” é uma ingénua transfiguração de tudo o que rodeia o artista, através de uma visão metamorfoseada do ser humano e do mundo, uma atmosfera imagística muito original e pessoal. A linguagem pictórica procura exprimir as minhas reflexões sobre os conflitos de ordem moral, social, religiosa, política, ecológica, etc, que afectam o homem. Com uma intencionalidade mensagística, tento criar espaços cénicos que transmitam essas preocupações, em que o simbolismo das imagens possa provocar um diálogo com o espectador.

A mensagem que procuro transmitir força-me, por vezes, a seguir novos caminhos novos na pintura  “naïve”, levando a interrogar-me se a designação de “pintura primitiva moderna” não será a que melhor acolhe o pensamento simbólico-idealista da minha pintura. Na minha opinião, o meu trabalho consubstancia-se na pintura primitiva, que colhe os frutos de uma grande imaginação que, numa corrompida sociedade hodierna, se interroga sobre os mistérios do ser humano.”

Efetivamente, a partir dos anos 70, o artista autodidata percorreria o mundo com a sua “pintura primitiva moderna”, quer em exposições individuais quer coletivas, que lhe valeriam várias menções honrosas e prémios, nomeadamente, logo em 1971, o 1º. Prémio no II Salão de Artistas de Domingo – Salão Primavera, em Lisboa, que depois repetiria no II Salão Internacional de Pintura Naïve, em 1991, na Galeria do Casino Estoril.                     

Guimarães, a sua cidade-berço, não ficaria indiferente à sua afirmação e teve também o prazer e a honra de apreciar os seus trabalhos, algumas vezes: nos Paços dos Duques de Bragança, entre 18 de Junho e 7 de Julho de 1990; e na Sociedade Martins Sarmento, entre 28 de Julho e 11 de Agosto de 1979,  instituição a que regressaria em Junho/Julho de 1993 e que tem à sua guarda algumas pinturas do artista.

Assim e subsequentemente à emergência do pintor, nos anos 90, a Câmara Municipal de Guimarães daria passos significativos no sentido da revelação do pintor. De facto, em 11 de Janeiro de 1991, o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, António Magalhães, apresentou ao executivo uma proposta de criar o Museu de Pintura Primitiva Moderna (MPPM) que seria aprovada por unanimidade e logo no dia 15 desse mês daria posse à Comissão Instaladora do Museu, constituída pela Câmara Municipal, Círculo de Arte e Recreio, Galerie Pro Arte Kasper, Isabelino Coelho, Joaquim dos Santos Simões e Nuno Lima de Carvalho.

Posteriormente, por ocasião das comemorações do 24 de Junho de 1993, seria inaugurado o Museu de Arte Primitiva Moderna com um acervo patrimonial de 160 trabalhos, que se definiria como uma referência museológica única, no género, no nosso país, e se instalaria no edifício histórico do século XIV dos antigos Paços do Concelho, implantado entre a Oliveira e Praça de S. Tiago. Significativamente, uma atitude cultural que na altura seria secundada com a atribuição ao pintor da Medalha de Mérito Social.

Criava-se assim um museu inovador, que, além de expor publicamente o seu próprio espólio por vários anos, organizaria ainda várias iniciativas diversas, entre as quais o I Salão de Pintura Primitiva Moderna, em Março de 1999, que seria antecedido do de um concurso subordinado ao tema “Guimarães e o seu Património Histórico”, bem como a realização de uma Exposição de Arte Plástica de Artistas Famalicenses e do Vale do Ave, ocorrida em Setembro de 2007, uma das últimas atividades que lhe conhecemos.

Com efeito, por motivos e data que desconhecemos, o museu seria encerrado para dar lugar e espaço a outras alternativas, constando que o seu espólio estará à guarda do Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG).

Porém, um legado que registaria ao longo dos anos significativas referências e inúmeros artigos, críticas e opiniões, de moldes a atualmente, neste centenário do nascimento do pintor, gerar um sentimento de evocação e (nova) divulgação da sua obra.

Realmente, “ na sua aparente ingenuidade – ingenuidade que não é ignorância mas pureza “– escreve o jornal Comércio do Porto em 28 de Março de 1974 – “as pinturas de Isabelino sugerem uma combinação de música, de pintura e de poesia, sem visões trágicas, sem pesadelos, sem desgraças, sem alucinações, levando os visitantes a respirarem, com volúpia, os perfumados segredos da inspiração do artista e o hálito de uma aparente Primavera, calma, vivificante, de eterna mocidade e eterno vigor.

Intérprete de capítulos da Bíblia e da epopeia cantada por Camões, crítico de pecados e virtudes humanas, Isabelino fala-nos plasticamente da refeição pobre do palhaço rico, da meditação do presidiário, do vício dos estupefacientes, o pitoresco dos grupos de casamento a serem fotografados nas escadas de uma igreja, dum concurso para catedrático de Medicina e de outros temas, quer de intenção social (como no” intervalo do almoço”) quer puramente subjetivo como “a encruzilhada da juventude” ou “os devoradores”.

Uma perspetiva que Júlio Resende corrobora no Jornal de Notícias de 16 de Março de 1974, nos seguinte termos: “parece-me estar perante uma manifestação que comove o observador pela sinceridade que ela exprime e na qual o artista põe um amor e dedicação totais. De realçar, ainda, a imaginação do autor, faceta, que em Portugal não é frequente num “pintor de domingo”. Esta obra de José Isabelino tem impacto tão particularmente desejado por muitos artistas,”  

Isabelino, baixinho, redondo, jovial, sorridente e corretamente vestido, um pouco à antiga, assim o retrata o Jornal de Letras de 28 de Janeiro de 1988, aquando da exposição badalada no Instituto Alemão de Lisboa, tem, como escreve Alberto Correia,  diretor do Museu Grão Vasco (Viseu), no catálogo da exposição de Agosto de 1991, “ o condão de nos levar de regresso às distantes paragens  do Éden, território de impressionantes luminosidade de madrugadas e pôr-de-sóis originais, de mágica serenidade onde o silêncio se confunde com divinas harmonias trazidas por brisa temporal”.

Com efeito, contabilista de dia e pintor à noite, como escreve Paul Ide,  “Coelho não pertence à categoria dos pintores naïve que se banham no rosa etéreo e na beleza extasiante. O seu universo é feito de pesadelos e povoado de monstros alegóricos. Tingida de ambiência surrealista, sua pintura tende para um moral que se prenderia ser uma o justo equilíbrio entre o bem e o mal. O trabalho relativamente “brut”  é entretanto interessante pelo poder evocativo das imagens e dos símbolos”.

Efetivamente, embarcado nesta aventura, a sua capacidade metafórica das dores e dos desejos humanos abrir-lhe-iam  novas fronteiras da Alemanha à Suíça,  da Holanda ao Brasil, da Gulbenkian  a muitas outras cidades e vilas do seu país.  De facto, ainda que despojado do seu Museu de Arte Primitiva Moderna, em Guimarães, Isabelino Coelho continua presente no imaginário vimaranenses, merecendo, neste centenário do seu nascimento uma evocação devida e divulgação plena da sua obra, que gostaríamos de (re)ver …

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