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Março – mês de Camilo, mês do teatro

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ terça-feira, março 25, 2025
© Direitos reservados
Desta feita, à colação do Dia Mundial do Teatro (27 de Março) iremos tratar da arte de Talma camiliana.

Camilo, Castelo Branco enquanto autor teatral não goza do renome obtido como novelista. No entanto, entre o sarcasmo e as lágrimas românticas, ou seja, como ele dizia, entre lágrimas e riso, cultivou com parcimónia esta dualidade que caraterizaria toda a sua obra e que no teatro também se evidencia.

Efetivamente, Camilo, temperamentalmente radical, concebia a vida como farsa ou tragédia e era genuinamente dramático e teatral, quer pessoalmente quer na sua obra. De facto, a vida é frequentemente concebida como um palco teatral, pois, como afirmaria João Bigotte Chorão “possuía o sentimento dramático da existência”.      

Porém, como incansável poligrafo, este “operário das letras” legar-nos-ia cerca de 15 peças, cujo acervo de produção dramática se encontram reunidas em 5 volumes pela Parceria António Maria Pereira, em 1908.

Ora, “Agostinho de Ceuta” (1847) teria sido a primeira peça camiliana, escrita em Vila Real, provavelmente sob a influência de Patrícia Emília de Barros, um dos seus amores, que na altura seria representado na cidade transmontana e posteriormente no Porto. Uma peça que aborda a paixão de um simples pajem por uma dama nobre da corte, que tem como pano de fundo acontecimentos históricos que ocorreram durante o reinado de D. Afonso VI (1643-1683).

Por seu turno, os dramas “Abençoadas Lágrimas” (1861), peça em três atos e “O Último Acto” (1862), em apenas um ato, têm um certo cunho autobiográfico. Com efeito, a primeira aborda as infidelidades de Jorge de Lemos para com Augusta, de certa forma similares aos amores adulterinos de Camilo com Ana Plácido, que simultaneamente proporciona algumas reflexões sobre os sentimentos e conceitos de honra. Curiosamente numa peça escrita na altura em que o processo por acusação de adultério movido a Camilo e Ana Plácido pelo marido Manuel Pinheiro Alves, estava  em curso.

Por sua vez, a segunda peça é a transfiguração do drama passional de Ana Plácido e Camilo, que apesar dos criptónimos e do facto de, neste caso, do adultério não ter sido efetivado, por morte da protagonista, certamente com objetivos de ilibar a sua “amada querida”, é notória a similitude entre a efabulação e a realidade.

Destacam-se ainda na sua produção dramatúrgica o drama em 3 atos e quadros “O Condenado” (1870) que se insere numa campanha de reabilitação desencadeada por Camilo em favor do amigo querido José Cardoso Vieira de Castro, nos transes difíceis do julgamento por uxoricida. Um amigo de estimação a quem dedicou esta peça, que, recorde-se, recolheu Camilo em Fafe, na Quinta do Ermo.

Por sua vez, no âmbito da comédia, citem-se “O Morgado de Fafe Amoroso” (1865) e “O Morgado de Fafe em Lisboa” (1861), este último representado pela primeira vez no Teatro D. Maria II.  Com efeito, a comédia em dois atos “O Morgado de Fafe em Lisboa” é plausivelmente a peça mais encenada de Camilo, com sucessivos êxitos até aos nossos dias.

Nesta peça, como afirma Luís Francisco Rebello, Camilo instala num salão romântico de Lisboa o seu Morgado de Fafe, um homem que tem “ a rústica franqueza da ignorância” e se define inteiro numa só réplica: “a minha mania é dizer o que sinto, e rir do que me alegra cá no interior”.

Como é óbvio, na peça o choque é, como não podia deixar de ser, explosivo. Deste modo, ante a sinceridade crua e direta do Morgado e sua ruralidade provinciana, em oposição aos ideais ultrarromânticos e a linguagem artificial de que se enroupa a pedante e frívola sociedade lisboeta, desmistifica-se o ultrarromantismo sentimental e piegas da época, bem como se censura os padrões sociais da burguesia da Regeneração.

Esta passagem da cena inicial do ato II é dilucidativa:

Leocádia  (Lendo)

Quando entre nuvens cintila

Como em olho de sibila,

A fulminante pupila

Do meu casto serafim,

Mago eflúvio, odor celeste,

De minha alma onde desceste,

Vai ao céu donde vieste

Ente nuvens de cetim.

(Declama) – Tão lindo! Não é?

1ª. Dama – Se é!

2º. Dama –Endoidece-me de admiração!

3ª Dama – Eu morria de amores por um homem que me escrevesse isso.

1ª. Dama – Tenho-te inveja, priminha! Assim, compreende-se que uma mulher sacrifique ao talento riquezas, glórias vãs da terra, a vontade dos pais, tudo!

Leocádia  (…) – As primas sabem que diante de mim se correm as cortinas de três futuro (…)

Com efeito, Leocádia rejeita o primo rico Luís Pessanha e o deputado João Leite, pois está apaixonada pelo poeta António Soares (autor dos versos que lera) e vê nele um Tasso (poeta renascentista) e arroubado como Camões.  

Com efeito, perpassa nesta farsa, a crítica à mundivisão ultrarromântica que Camilo quer ridicularizar, mas igualmente a ridicularização dos modos estereotipados que se notabilizam na segunda metade do século XIX, pelo efeito do mordaz e cáustico dos ambientes e personagens característicos do Portugal desta época.  Realmente, assente em 3 realidades socioculturais da altura, como a inferior condição da mulher dependente do pai/marido, a instituição do morgadio, e a prática social do casamento baseado nos interesses e conveniências sociais e financeiras, opondo a religião do amor e o idealismo do coração à religião do dinheiro e idealismo do estômago, Camilo critica estas situações de que a parte final da peça (cena XIV, ato II), é elucidativa:

Barão- Sr. Soares! A sua paixão por minha filha não lhe inspira uma resolução nobre e admirável na desgraça. Aceite Leocádia pobre. Engrandeça pela indigência o seu amor.

Morgado- Bem se fia ele nisso!

Juiz- Aqui já não se trata do coração… trata-se … trata-se …

Morgado- De barriga.

(…)

Juiz- E portanto, Sr. Soares, se me permite que eu seja o intérprete dos seus generosos sentimentos, asseguro ao Sr. Barão da Cassurrães, que por parte de V. Exª, há desistência deste mal agourado consórcio.

Soares- Eu seria capaz de mendigar por portas para sustentar minha mulher, mas não a julgo bastante forte para sustentar o infortúnio.

De facto, quando o Barão, permite o casamento de Leocádia com o poeta ultrarromântico António Soares, mas nega à filha qualquer tipo de herança ou património, o ímpeto passional do vate esmorece.

E os pretendentes desaparecem, como o dilucida o desfecho da peça (cena XV, ato ii):

Barão- (…) Saibam o Sr. Pessanha e o Sr. Leite, que a mão de Leocádia pertence o meu prezado e honrado amigo, o Sr. Morgado de Fafe-

Morgado- Eu vou-me embora também, Sr. Barão. Estes dois senhores deram as suas razões, eu dou as mesmas razões e mais uma, e é que não quero casar, por quatro razões: a primeira, porque o meu irmão frade diz: “Antes que cases, olha o que fazes”; a segunda porque …

 Barão- Basta. Saiam todos de minha casa …

(Saem todos)

Baronesa (caindo desfalecida nunca cadeira, as damas a rodeiam) – Oh! meu Deus, um insulto destes! … Na minha idade …

Morgado (Tornando a entrar) Oh! O meu chapéu; queiram perdoar, porque me tinha esquecido o chapéu (Pega no chapéu, faz uma reverência e sai a um sinal do Barão. Caio o pano).   

 

Interessante é também a comédia “Patologia do Casamento” (1862) que nos dá avisão de Camilo sobre o casamento. A temática gira em torno do matrimónio e dois casais: Jorge e Leocádia e Álvaro e Júlia, aos quais o autor acrescenta uma quinta personagem de nome Eduardo, que ata e desfia os nós da intriga.

Uma comédia sobre as relações sociais das meninas burguesas, sobre a hipocrisia da sociedade da época que aborda as reações humanas e o modo como a sociedade castra a possibilidade de amar, até no matrimónio.

Na sua criação dramática, registam-se ainda as peças “Poesia ou dinheiro?” (1855) dedicada a Ana Plácido, ainda que não nomeada expressamente e   “O Lobisomem”,  que seria editada postumamente.

VIVA O DIA MUNDIAL DO TEATRO!

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