Mário Soares
No dia 7 de Dezembro de 1924, há 100 anos, nasceu em Lisboa o cidadão MÁRIO Alberto Nobre Lopes SOARES (MS), advogado e político português que exerceu os cargos de Primeiro-Ministro por duas vezes (1976-1978 e 1983-1985) e as funções de Presidente da República entre 1986-1996, após vencer nas urnas Freitas do Amaral, em 16 de Fevereiro de 1986, numas eleições renhidas, apenas decididas à 2ª. volta. Ato eleitoral no qual participariam ainda nomes como Lurdes Pintasilgo e Salgado Zenha, que viria a abalar a amizade anterior entre ambos os militantes do Partido Socialista e a romper o antigo slogan “Soares e Zenha, não há quem os detenha”. No entanto, eleições que no segundo quinquénio, em 13 de Janeiro de 1991, Soares venceria novamente com mais de 70% dos votos, com o apoio do próprio Cavaco Silva, não obstante as divergências posteriores, nomeadamente quanto à denominada magistratura de influência presidencial, em especial naquilo que o Presidente da República considerava ser a política de betão do primeiro-ministro e o seu seguidismo de Bruxelas, em detrimento de ações de cariz mais social.
Reconhecido pela sua frontalidade e convicções, Soares seria novamente candidato à presidência da república em 2006, que perderia em prol de Cavaco Silva e Manuel Alegre, o segundo mais votado, militante socialista com quem também se incompatibilizaria temporariamente e na circunstância.
Mário Soares seria ainda um forte opositor à intervenção militar no Iraque, mas fundamentalmente um homem respeitado politicamente, com ampla visão política, quer a nível nacional quer internacional. Na verdade, as suas palavras num artigo da revista “Visão”, sob o título “Putin – um homem perigoso “, escritas cerca de um anos antes do seu passamento, são dilucidativas e não deixam sombras de dúvidas sobre o seu posicionamento e sua reflexão nos tempos de hoje, pelo sentido visionário que revelam e relevam.
Com efeito, licenciado em Históricas-Filosóficas (1951) e Direito (1957), filho de uma família republicana liberal, com intervenção política, em especial seu pai João Lopes Soares, MS seria ainda eurodeputado português entre 1999-2004, na companhia de Sérgio Sousa Pinto. Todavia e acima de tudo fica entre nós como um lutador até à morte (7 de Janeiro de 2017), pelas causas do seu país que tanto amava, tal como a vida. Realmente, não obstante as adversidades vivenciadas na prisão, designadamente no Aljube, onde casaria por procuração com a atriz Maria Barroso, em 22 de Fevereiro de 1949 e apesar da perseguição e do exílio, bem como circunstâncias diversas de incompreensão, controvérsia e ingratidão, Soares foi fundamentalmente um combatente pelas causas da liberdade e da democracia, como poucos neste país, ainda que, de acordo com alguns dos seus adversários políticos, malgrado as ideologias, haja metido o socialismo na gaveta.
De facto, homem do 25 de Abril, mas também do 25 de Novembro, enquanto data que na Fonte Luminosa marcou a oposição aos meses do PREC, Soares foi um nome incontornável da caminhada democrática e parlamentar do país, de cariz semipresidencialista.
Com efeito, cidadão determinado nas suas convicções e estadista reconhecido internacionalmente pelos seus pares, MS seria também um político popular como o slogan “ Soares é fixe” evidencia e o seu retrato pintado por Júlio Pomar salta aos olhos pela pose que rompe a figuração cerimoniosa e tradicional, na qual perpassa a bonomia das suas bochechas, o seu olhar humorado e jovial, e uma atitude enérgica, sob o fundo azul e obviamente cor-de-rosa. Ora, é porventura esta imagem de marca que retemos do homem e político, indiciadora dos traços específicos da sua empatia carismática, que durante os seus “reinados” deixaria também legados indeléveis, consonantes com os três “D” de Abril: a democratização, patente na consolidação das instituições democráticas e autonomia do Poder Local; a descolonização, efetivada na independência das colónias; o desenvolvimento, expresso no Serviço Nacional de Saúde, ou a adesão à União Europeia, sempre presente no seu projeto político ”A Europa connosco” . Ele que porém, provavelmente algo insatisfeito consigo mesmo e com a sua (in)capacidade realizadora, se “desculparia” e afirmaria haver sido “duas vezes primeiro-ministro não no tempo das vacas gordas, mas em tempo das vacas magríssimas.”
Do ponto de vista biográfico e na perspetiva político-partidária, Soares iniciaria a sua ação no Partido Comunista Português, em 1943, assumindo funções de secretário executivo da campanha presidencial do general Norton de Matos, em 1949. Todavia, seria esta situação que o levaria a afastar-se do PCP e a aderir à corrente socialista, acompanhado pelo amigo Salgado Zenha e outros velhos democratas da geração de seu pai. Com efeito, é a partir dos anos 50, influenciado por Pierre Mendès France e uma visita a Humberto Delgado, exilado em Praga, que lhe proporciona uma visão negativa do mundo soviético, que Soares reflete sobre o seu rumo ideológico, não obstante as suas ligações a amigos comunistas como Octávio Pato e outros presos políticos, que defenderia judicialmente e gratuitamente.
Obviamente, o combate ao Estado Novo prosseguiria com veemência posteriormente, na década 60, quer na oposição à guerra colonial, quer através de tentativas militares falhadas, como fora o “golpe de Beja” . Ademais, nesse período efervescente ocorreria também a crise estudantil de 1962 e a nível externo abriam-se novas portas na Igreja, pela convocação do Concílio Vaticano II , pelo papa João XXIII. Ora, é no decurso destes anos, que Soares também escreve “Portugal Amordaçado” (1972) , um libelo acusatório sobre os anos de fascismo, que grosso modo coincide com o seu regresso a Portugal do exílio em S. Tomé para participar nas eleições para a assembleia nacional de 1969, no decurso da era marcelista. Outrossim, seria igualmente a época em que avançaria a fundação da Associação Socialista (ASP), aceite na Internacional Socialista, que viria constituir o PS, nos inícios dos anos 70.
Obviamente, o 25 de Abril de 1974 impele a transformação de Portugal e Soares torna-se (mais) conhecido pela sua ação governativa enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros do I e II governos constitucionais. Entrementes, o PS começaria a afirmar-se no país, inclusive em Guimarães, onde em 7 de Junho de 1974 se realiza no Cinema S. Mamede o primeiro comício, com caras conhecidas como Mota Prego, Lopes Pinto e o metalúrgico Oliveira Rodrigues.
De facto, Soares estaria em Guimarães, pela primeira vez na campanha da Constituinte de 1975 e a 13 de Abril discursa da varanda do “Vira-bar”, na Alameda. Depois, em 21 de Abril, está presente no comício no Teatro Jordão. Nessa altura, o PS venceria as primeiras eleições autárquicas em Guimarães com cerca de 30 mil votos, sob a liderança de Edmundo Campos e reforçaria a sua posição no primeiro ato eleitoral para a Assembleia da República, em 1976.
SOARES EM GUIMARÃES
Anos mais tarde, em Setembro de 1986, Soares voltaria a Guimarães no âmbito das “presidências abertas” e aqui promulgaria a “Lei de Bases do Sistema Educativo”, em 23 de Setembro. Uma presidência aberta que passaria também por atos públicos culturais, como era timbre de Soares. Concretamente, na cidade-berço, Soares assistiria à representação do “Monólogo do Vaqueiro” de Gil Vicente, pelo Teatro de Ensaio Raul Brandão (TERB), que culminaria com um abraço do presidente a todos os protagonistas e que num segundo momento, já fora do protocolo, passaria pela visita à Casa do Alto, em Nespereira, na companhia de Santos Simões e familiares de Raul Brandão.
Efetivamente, além da sua dimensão política, Mário Soares foi também um homem de cultura.
Provam-no não só as suas relações de amizade com eméritos escritores como José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, António Alçada Baptista, Miguel Torga, Manuel Alegre e Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros, mas também a sua faceta de amante de livros e do prazer da escrita, que sempre cultivou numa perspetiva política e literária.
Na realidade, como dizíamos, a estada presidencial em Guimarães, na segunda quinzena de Setembro, ficaria marcada por um conjunto de visitas relevantes de foro cultural. Mas também por uma honrosa receção por parte da Câmara Municipal, presidida por António Xavier, que face à situação dignificante, recordaria a propósito as Cortes de Guimarães no século XIII e aproveitaria o ensejo para abordar alguns anseios vimaranenses em matéria de comunicações e no âmbito da Universidade do Minho. Uma sessão que culminaria com a atribuição ao presidente Mário Soares do título de “cidadão honorário” de Guimarães, num ato público a que assistiriam e usariam da palavra o Governador Civil de Braga e vimaranense Fernando Alberto Ribeiro da Silva, que sublinharia “ a alta dignidade com que Mário Soares tem exercido o cargo de supremo magistrado da Nação” e o nortenho Eurico de Melo, Ministro de Estado e da Administração Interna, que afirmaria que “ o Governo está solidário com o mais alto magistrado da Nação (…) sentindo-se feliz pela deslocação do Presidente da República a este Norte tão querido de todos os portugueses”.
Visita que, como declararia Mário Soares ”destina-se sobretudo a conhecer e a contactar as populações de entre Minho e Douro (…) e conhecer tanto quanto possível e em profundidade os sentimentos, as sensibilidades, o querer e o sentir da população”.
E assim f oram os seus propósitos. Efetivamente, após a receção na Câmara Municipal, a comitiva presidencial desfilara pelas ruas da cidade entre “ aplausos populares, saudações anónimas e ramos de flores”, assim narra o Povo de Guimarães de 17 de Setembro, que destaca a festa na Rua Nova, “com todas as janelas engalanadas, com um pano de saudação “Presidente Amigo, Rua Nove está contigo”
Deste modo, após a receção festiva, chegaria o trabalho, com visitas e sessões laborais em vários concelhos vizinhos e sobretudo em Guimarães, que, como era divisa e lema de Soares, auscultaria consensualmente os setores da vida económica, social cultural, desde empresários a sindicalistas, agricultores e intelectuais e a hierarquia da Igreja. Trabalhos que incluiriam ainda uma reunião com o primeiro-ministro Cavaco Silva e com todos os Presidentes da Câmara de Entre o Douro e Minho, na qual ficaria demarcada implicitamente a proclamada Região Norte, tão de agrado do Ministro Valente de Oliveira.
Em Guimarães, o Presidente da República procederia ainda a inúmeros visitas a instituições sociais e culturais, nomeadamente ao Gabinete Técnico Local, onde tomou conhecimento do plano de recuperação do Centro Histórico, deslocando-se à Casa da Rua Nova, que receberia a atribuição do Prémio Europa Nostra e ainda à Sociedade Martins Sarmento e à Citânia de Briteiros, entre outras visitas.
Porém, seria em S. Torcato, que Soares revelaria a sua faceta mais popular. Com efeito, além de manifestar sua força física ao subir as 177 escadas da torre da basílica, durante a noite, na Quinta da Formiga, assistiria a uma espadelada e desfolhada minhota, organizada pelo grupo Folclórico de S. Torcato, bem com a uma sessão de cantigas as desafio. E, não se fazendo rogado, nem se limitando a cortesias, saltou para o meio da eira a dançar o vira minhoto, contagiando toda a comitiva. Um vira e torna a virar que muitos dos seus detratores por certo aproveitariam politicamente, argumentando que o vira e toca a virar lhe estaria na massa do sangue desde os tempos do reviralho ..
Seriam “dez dias que mudaram a presidência” , como seria afirmado, nos quais a cidade vimaranense ficaria na história dessa mudança. Dias que o jornalista J. Paulo Oliveira, do Diário Popular, consideraria importante, mas cansativa: “ a experiência foi tão positiva, que tem de continuar noutras regiões. Só espero que seja mais pausada (…)” .
Com efeito, plausivelmente em subsequência desta visibilidade de Guimarães, a cidade receberia ainda em 24 e 25 de Outubro de 1986 a Cimeira do Governo Português e Espanhol, que teria lugar da Pousada da Costa.
Em súmula, um conjunto de ações e situações que demonstram claramente as facetas do homem dinâmico e determinado que foi, autocaracterizado como socialista, republicano e laico. No fundo, não só um estadista e político histórico, norteado por consensos e pontes democráticas, mas também um Presidente da República popular, que muito contribuiu para o progresso e a democracia em Portugal e que seu assessor cultural José Manuel dos Santos sintetiza claramente:
“Mário Soares está para a política como Picasso para a arte, a politica é a sua grande vocação e destino, fará política até ao último dia”, em 7 de Janeiro de 2017.