País a banhos
Agosto aí está quente como sol, após as Gualterianas. Festas que continuam sólidas q.b, apesar de algum divórcio colaborativo por parte das coletividades, a quem seria devida uma participação mais ativa.
No entanto, registamos com agrado que a Marcha Gualteriana tenha apostado em carros alegóricos mais centrados na cidade e não apenas em projetos personalizados de “encher o olho”, sem ligação à realidade local. Um paradigma que na minha perspetiva seria de manter futuramente, em especial já em 2026, quando perfazem 120 anos do ressurgimento das Gualterianas sob a égide de João de Melo, Padre Gaspar Roriz e os artistas Luís de Pina e Abel Cardoso; e perpassa um século do 28 de Maio de 1926, que em Guimarães se saldou negativamente pela perda do Regimento de Infantaria nº. 20 e a sua banda musical.
De facto, para além do carro da cidade, assistimos este ano ao desfile alegórico da memória vimaranense, concretizada na evocação do centenário da inauguração do belo (e demolido) Café Oriental , que Osmusiké encenaram com rigor, ou na visão intemporal e prospetiva de Guimarães - passado, presente e futuro, que concilia a preservação do legado patrimonial, com a atualidade dos 30 anos do cósmico teleférico à Penha e a subsequente via ascensional de novos voos em concretização, em particular na recuperação da Fábrica do Arquinho, com a sua reabilitação para o curso de Engenharia Aeroespacial da Universidade do Minho.
Outrossim, na conquista de Guimarães - Capital Verde Europeia de 2026 e na evocação do bicentenário do nascimento de Camilo Castelo Branco e suas passadas em Guimarães, quer na amizade com Francisco Martins Sarmento quer na obra, como na novela “A Viúva do Enforcado”.
Situações que não só revelam o bairrismo sadio da cidade-berço, que a própria Batalha das Flores dilucida, ao apostar no tema dos Mesteres de Guimarães, como também a sua memória coletiva.
Pela positiva, registamos ainda a requalificação do Bloco de Partos do Hospital de Nossa Senhora da Oliveira, num investimento superior a 1,5 milhão de euros, que propiciará melhorias de condições de assistência em saúde de materna e neonatal, bem como, em aditamento, a instalação de novos cursos superiores no Instituto Politécnico do Cávado e Ave (IPCA) que irão funcionar na cidade de Guimarães: Gestão de Atividades Turísticas e Gestão Hoteleira. Novas apostas que provisoriamente avançarão no campus de Couros até à conclusão do edifício em construção no novo espaço, sito e próximo da Escola-Hotel.
Mas nem só de festas, evocações nostálgicas e boas novas vive o homem. Com efeito, lemos, ouvimos e vemos e não podemos ignorar aquilo que a imprensa vai dizendo sobre este país das maravilhas. Efetivamente, à laia da “Trova ao vento que passa” de Manuel Alegre, “o vento cala a desgraça/o vento nada me diz” ...
Com efeito, a despeito de novos ventos prometidos por Eólo, a navegação de cabotagem e eleiçoeira navega sem descobertas visíveis e com medidas avulsas, entre o continente e as ilhas, ainda que por vezes lhes atribuam epítetos de reformas, ou algo afim.
Deveras, lemos ouvimos e vemos e não podemos ignorar que, apesar dos truques de magia, nem tudo vai bem no reino portucalense, onde parece que dar resposta aos problemas das pessoas é menos urgente que outras “urgências” apressadas. Falamos, como é óbvio, da migração, que carecendo de regulamentação, peca sobretudo por medidas discriminatórias e cruéis, dificultando o reagrupamento familiar e impondo condições que atentam com a dignidade humana e social, de cariz populistas e xenófobas, que motivaram reparos dos bispos portugueses e a apreciação do Tribunal Constitucional, solicitadas pelo Presidente da República.
Porém e de facto, mais importante do que o debate “não é não”, que por vezes é “nim”, é que se faça frente aos mais prementes problemas e anseios das populações o que nem sempre acontece.
Assim, destaquemos entre outras urgências, sem qualquer de fuga para a frente, a saúde ou habitação, que ainda recentemente na demolição de muitas barracas e dos princípios, no bairro do Talude, em Loures, ficou à vista. Com efeito, segundo o Instituto Nacional de Estatística, o preço da habitação em Portugal subiu 16,3% no primeiro trimestre deste ano e que o custo médio das casas por metro quadrado subiu 18,7%, depois de já haver subido 15,5% no trimestre anterior. Um aumento que, dizem os entendidos, teria sido o maior de toda a União Europeia.
Aumentos descontrolados, que além dos preços de aquisição de casas e os arrendamentos em geral, não param de subir exponencialmente, sem resposta substancial à vista, designadamente no arrendamento estudantil, cujos quartos atingem os 415 euros mensais.
Ora, por falar em habitação, não podemos deixar de evocar o arquiteto Nuno Portas (1934-2015), recentemente falecido, intrinsecamente ligado ao Centro Histórico vimaranenses e ao Vale do Ave, a quem a cidade-berço prestou devida homenagem na exposição “Ser Urbano - nos Caminhos de Nuno Portas”, realizada aquando de Guimarães - Capital Europeia da Cultura 2012. Um homem que enquanto secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, no I Governo Provisório, lançou e nos legou no Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), um dos mais marcantes programas de habitação pós-25 de Abril no âmbito da luta por este direito constitucional. E é de homens, como este, verdadeiramente reformistas, que hoje faz falta! ...
Falamos ainda na manifesta incapacidade demonstrada na emergência médica na qual sobressai recentemente o concurso a uma empresa de helicópteros sem pilotos e meios aéreos. Falha que se estende ainda à carência de meios aéreos de combate aos incêndios, um problema que se arrasta anos a fio, tantas vezes empurrado sucessivamente com barriga.
Falamos ainda de situações tão concretas e definidas como a carência de cuidados paliativos, que só chegam a metade com 100 mil que são precisos e que “saldam” em milhares de mortes todos os anos, por falta de acesso a este serviço de alívio do sofrimento, tantas vezes negligenciado pela carência de uma estratégia e investimento na formação e de incentivos profissionais. Falamos também da situação insustentável dos lares de idosos, cujas listas de espera por vagas atingem os três anos e que mercê da gestão discricionária das camas por parte das IPSS tendem a dar prioridade aos utentes com reformas mais compatíveis com os seus orçamentos.
Falamos ainda da carestia da vida que leva as famílias a endividarem-se para pagar as rendas e os supermercados, ou a recorrerem aos Mercados de Trocas de roupa e livros, que têm crescido no país como forma de equilibrar os orçamentos familiares. Com efeito, o preço do cabaz alimentar, segundo a Deco Proteste, tem subido sem parar e atinge o máximo desde 2022, sendo os portugueses os que pagam a alimentação mais cara da União o Europeia.
Como não bastasse, tal como dantes, não faltam sequer os casos e casinhos que levam à perceção de novos casos de corrupção. Falamos designadamente ao combate à fraude no Serviço Nacional de Saúde, como o são alegadamente, entre outros, o caso do contrato assumidos pelo Hospital de Braga com serviços privados no montante de 27 milhões de euros. Falamos concretamente dos projetos de Jovens Agricultores com apoio público que teria enterrado dois milhões na Beira Baixa, sem que os resultados do cultivo despontassem do solo.
Problemas de monta a que se juntam outros menores noticiados na comunicação social, como as dívidas do governo ao serviço de emergência pré-hospitalar, que colocaram em causa a suspensão temporária das ambulâncias do Instituto Nacional de Emergência fiquemos Médica. Ou ainda, os atrasos constantes nos incentivos, como agora acontece no programa “E- Lar - Bairros Sustentáveis” que pretende apoiar a troca de eletrodomésticos ineficazes ou a gás e que anunciado no ano passado, deveria ter arrancado em Junho.
Antes de férias, oleiam-se também as máquinas eleitorais para as eleições autárquicas de 12 de Outubro, com a apresentação dos candidatos e alguns esboços programáticos. Eleições que este ano registam um aumento significativo de freguesias que vão a votos em plenário, o que espelha claramente um país em contração demográfica no interior, em territórios profundamente afetados pelo despovoamento e progressiva desertificação.
Listas que na generalidade apostam em novos rostos, que terão de provar a sua valia e que de certa forma purgam alguns nomes anteriores que quiçá, em alguns casos concretos, fossem úteis em situações diversas, conciliando a experiência e a inovação.
Mas, na grelha de partida até à(s) meta(s) algumas/muitas pistas de corrida(s) de foro pessoal e/ou coletivo se alinham na linha de partida, quer para as provas de sprint quer de (meio) fundo, os vários concorrentes e seus puxa-saco...
Aguardemos os programas ou promessas, nomeadamente nos aspetos mais carentes e fiquemos atentos ao seu cumprimento...
Assim, neste mês de banhos, tal como a velha rábula do Senhor Contente e o Senhor Feliz, assim continua este país, muitas das vezes descontente e infeliz, outras vezes e esporadicamente mais ledo e feliz como sempre assim foi!
Mas bem pior vai o mundo, em que Gaza parece ironicamente a reencarnação de Auschwitz e o imperialismo progride nas fronteiras europeias, com algumas conivências dissimuladas, por vezes entoando o fado já batido do “ó tempo volta para trás” , ensaiando, à custa de vidas humanas, e outros negócios, a chamada ( e discutível) nova ordem mundial ...