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Saudade Nicolina

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ terça-feira, dezembro 02, 2025
© Direitos reservados
Nestas Nicolinas da saudade, neste ano de 2025, recordo o bom e eterno amigo António da Rocha e Costa, transcrevendo algumas estrofes do seu Pregão de 1976.

Entre Novembro e Dezembro acendem-se as luzes da festa natalícia e deitam-se contas à vida para a compra dos presentes da praxe, uma vez que o subsídio de Natal aquece os bolsos.

Por cá, como a tradição ainda é o que era, as Nicolinas saem para a rua, nem sempre com o primor que alguns números exigem e tão-pouco com um trabalho prévio de informação secular e cívica no seio da comunidade escolar que a sua história merece.

Em tempos profissionais anos atrás, prezamos valorativamente os projetos escolares em torno das Nicolinas, como outrora eram levados no Agrupamento de Escolas Gil Vicente e mais recentemente na UNAGUI. Em especial e concreto na restauração do Dízimo de Urgezes, mas também nos colóquios informativos, ou atividades que fomentariam a criatividade escolar. Cito entre várias iniciativas a representação do Auto do Dízimio de Urgezes na Junta de Freguesia, na escrita e declamação do Pregãozinho na UNAGUI, na execução artística em Educação Visual e Tecnológica de um carro alegórico para o desfile das Maçãzinhas, ou a encenação em 2010, pelo Clube de Teatro, do Auto Nicolino em torno do centenário da República e 150 anos da Senhora Aninhas.

Recordo ainda sob o tema das Nicolinas, as Montras na Farmácia Santo António, da qual era responsável o saudoso António da Rocha e Costa, que foi autor de três Pregões (1971, 1976 e 1981) e que este ano foi homenageado pelo seu grupo de amigos do Jantar do Pinheiro.

Assim, nestas Nicolinas da saudade, neste ano de 2025, recordo o bom e eterno amigo António da Rocha e Costa, transcrevendo algumas estrofes do seu Pregão de 1976, um dos primeiros pós 25 de Abril, data que ele sentiu e vivenciou intensamente como alferes, no quartel de Espinho.

Um Pregão que no decurso do seu internamento do autor no Hospital de Guimarães, seria emotivamente declamado pelo atual médico José Cotter, aquando das suas visitas clínicas, ele que década de 70 fora o jovem pregoeiro de serviço.

Aqui ficam, 50 anos depois, após o recente falecimento do seu autor, essas estrofes barulhentas de reencontro e saudade:

 

SILÊNCIO!

 

Ninguém ouse abafar a voz do pregoeiro

Que das aves canoras possui a melodia

Herdando do trovão o fragor por inteiro

Como um clarão imenso das trevas alumia.

(...)

Tocou a antiga “cabra” há dias no liceu

A malta perfilou a capa e a batina,

  1. Nicolau bradou e tudo estremeceu

Ergueram-se o Sampaio, o Caldas e o Pina

Com outros que repousavam na noite de breu,

Acenderam-se archotes de canto em quina,

De torrentes de luz o burgo se encheu

Para acolher o brio da Festa Nicolina.

 

Rufaram os tambores junto à Mumadona

Ferindo-nos os tímpanos com tal troar

Que alguém desprevenido que andava na zona

Logo telefonou à Rádio a perguntar

Se não seria golpe ou mais uma intentona.

(...)

Guimarães anda farto de ser enganado

Os sandeus abusam da nossa paciência

Fartam-se de dizer que não merecemos nada

Pois Braga deve ser o berço da Ciência

Levante-se a cidade contra essa cambada

E sem construir muros ou usar a violência

Mantenha-se bem firme para não ser levada

Pela baixa política da influência.   

Ignóbeis abutres de garra usurpadora

Já levaram metade do Parque Industrial

E com desfaçatez devoram-nos agora

O Banco mais antigo do nosso Toural.

Imaginem que a gente em jeito de desforra

Instala nesta urbe o Paço Episcopal!

E em nome da Justiça exige sem demora

Que seja do Distrito aqui a capital.

(...)

Valha-nos Esculápio, atente em nosso mal

Cessem já os tormentos da horda plebeia

Que no conventual e sóbrio Hospital

Busca para a moléstia eficaz panaceia.

O povo já não vai no chá medicinal

Essa antiga mezinha de farmacopeia

Com que o estagiário de ar doutoral

Procura debelar a forte diarreia.

 

Mas nesta Babilónia nem tudo é tormenta:

Uma onde de progresso e dinamização

Trouxe-nos até cá a maré cinzenta

Das torres de cimento da urbanização

Que a mão do operário e a sua ferramenta

Levantam, da Quintã até à Conceição,

Atenuando a falta, que nos apoquenta,

De uma acolhedora e digna habitação.

(...)

Na longa caminhada, dura e sinuosa,

Que às portas de Abril teve o seu início

Tantas vezes o cravo e outras tantas rosas

Tem a democracia sido o nosso ofício.

Porém não confiar, a História é caprichosa

 E quem da confiança adquirir o vício

Poderá ver ruir de forma desastrosa

O ainda inacabado e frágil edifício.

 

Cansados de carpir a nossa triste sina

Por ver levar as coisas excessivo aumento

Veremos outra vez subir a gasolina

Enquanto os Mercedes, às portas de S. Bento,

Não sofrem restrições no abastecimento.

Bem prega Frei Tomás ...mas a sua doutrina

Não obriga o pregador a dar-lhe cumprimento.

 

“Ou isto arrebenta ou dá estouro”

Dizia-me uma velha presa à nostalgia,

Obrigada a vender meia libra de ouro

Para pagar a conta da mercearia.

Oh, bom S. Cipriano: afasta o mau agouro

Faz com que a boa velha exulte de alegria

Quando puder comprar com Títulos de Tesouro

Um grosso bacalhau e um quilo d’aletria.

 (...)

Estava a Academia posta em sossego

Curtindo do saber efémera ilusão,

Naquele engano d’alma até o próprio cego

Julgava saber mais que o Rei Salomão.

Distintos engenheiros leccionavam grego

Sem terem para isso habilitação

Era então o ensino próspero emprego

Que a todos garantia uma colocação.

(...)

Para vós garotas, que sois o nosso encanto

Não podia faltar o doce galanteio.

Vamos rir e folgar para afastar o pranto

Que de tristeza e dor vai este mundo cheio.

Sob esta capa rota, caloroso manto

Palpita uma quimera, um ardente anseio

De sabermos um dia quanto é bom, oh quanto!...

Entrar no “paraíso” pela porta do meio.

(...)

Nicolinos de gema, ó filhos de Minerva!

Fazei barulho tal que possa ouvir-se em Roma

Com a força viril que a juventude conserva

Deixai-me essas zabumbas em estado de coma!

 

Um Pregão que é um documento de uma época, mas também um hino de saudade e eterna amizade ...

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