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Um jornal com 200 anos

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ sábado, outubro 22, 2022
© Direitos reservados
Há 200 anos atrás, em 30 de Outubro de 1822, o jornal “O AZEMEL VIMARANENSE” faria a sua aparição pública, esclarecendo os seus propósitos:

A principal de todas as virtudes, que deve adornar e pena fina de um escritor público é a imparcialidade; estranho a todos os partidos deve o bem, e só o bem de sua Pátria ser o único alvo dos seus desejos e das suas fadigas: e é por isso que o Redator do AZEMEL não teme o turíbulo, nem prostituirá seus incensos à Deusa das Contemplações; ele não descortinará defeitos pessoais, nem intrigas domésticas para entreter a curiosidade, e irrisão dos seus leitores. Mas será uma navalha cortante sobre as Autoridades Constituídas, não para as tornar odiosas e desprezíveis aos olhos do público, mas para denunciar seus abusos de poder, quando elas se desregram da Vereda Constitucional.” (…)

De facto, este periódico, filho da Constituição Liberal de 1822, é tido como um dos mais antigos jornais nacionais e o primeiro do Minho, não obstante a sua curta duração, pois acabaria por sucumbir em Maio de 1923, após a insurreição da Vilafrancada, conduzida pelos miguelistas. Porém, esta publicação colocaria Guimarães como a quarta cidade do país a dispor de jornais, após Lisboa, Porto e Coimbra, o que obviamente constitui um feito assinalável para a cidade berço.

Com efeito, impresso na Tipografia Vieirense, que se situava na rua Escura (atual Gravador Molarinho), o periódico sairia para a rua praticamente todas as semanas, ainda que sem dia específico e marcado, custando inicialmente 20 réis.Efetivamente, surgido numa época de grande agitação política, o jornal seria, na opinião de A. Tibúrcio Vasconcelos, em artigo publicado na Revista de Guimarães em Outubro/Dezembro de 1922, aquando da celebração do seu primeiro centenário, “um jornal partidário e agressivo, num meio pequeno em que a maior parte dos seus habitantes não concordava com a sua doutrina e propaganda. (…)

Tomando de repente uma feição revolucionária e desrespeitosa, um jornal nestas condições numa terra apegada às tradições e preconceitos, não podia ser um meio de evolução para novos princípios que defendia. Representou contudo um acto de arrojo e uma crença arreigada que tem direito à nossa homenagem.

Os seus exageros, porém, deviam provocar protestos que a seu tempo se manifestariam em represálias cruéis.”

O jornal é ainda referenciado pelo Abade de Tagilde no volume V, página 44, da Revista de Guimarães, que o reconhece como um periódico de luta liberal, indicando os seus fundadores:

“Este periódico de combate liberal teve como seus fundadores o regresso Jerónimo Rodrigo, Joaquim Meneses, José de Sousa Bandeira, Manuel Luís Pereira Pinheiro Gouveia e José Joaquim Vieira, que era dono da tipografia”.

Realmente, do jornal faziam parte Frei Jerónimo Rodrigo Meneses, monge natural de Guimarães, Manuel Gouveia, professor de Filosofia, Gramática Latina, Música e Cantochão, mas sobretudo José de Sousa Bandeira, escrivão judicial da comarca de Guimarães, pioneiro do jornalismo português e principal impulsionador da publicação, que viera para Guimarães com o seu pai, em 1808, de quem herdaria o posto de trabalho.

No entanto e simultaneamente, um periódico conceituado pela sua ação política e morigeradora, ao ponto de ser aludido na obra de Camilo Castelo Branco na obra “ A Bruxa do Monte Córdova”(1867), que às páginas tantas (página 44), assim escreve, sobre os abusos do clero:

“ Ao mesmo tempo, como a filha de Francisco da Teresa se queixasse do atrevimento do frade fidalgo, alvoroçaram-se os ânimos do boticário, do escrivão das sisas e do mestre-escola. O boticário, principalmente, que era liberal e já tinha escrito correspondência para o Azemel de Guimarães e invectivou contra a desmoralização dos frades (…)”.

No fundo, um hebdomadário de doutrina liberal que, em 10 de Janeiro de 1823, reflete deste modo sobre a importância da liberdade de imprensa:

“A liberdade de imprensa há sido a maior dádiva, com que as Cortes Constitucionais brindaram os Portugueses (…)

O povo, que não saboreie o direito a publicar o seu pensamento, é um povo escravo; e bem que os tímidos apologistas da censura prévia procurem tirar desta liberdade quadros de susto e melancólica perspetiva (…) graças mil sejam dadas aos PAIS DA PÁTRIA (…)

Meus amados compatriotas, não vos assusteis com a liberdade de imprensa, embora estes mesquinhos vos procurem aferrar, temendo ataques contra a religião dos nossos pais, contra o culto do nosso Deus, contra os bons costumes.” …

Em síntese, um jornal bicentenário, que apesar da sua vida efémera, deixaria marcas no seu tempo em prol dos princípios liberais. De tal forma marcante que, seriam necessários mais de 30 anos para os jornais regressarem a Guimarães: a Tesoura de Guimarães e o Vimaranense, ambos em 1856.

Atualmente, poucos números existem deste nosso primeiro editado há 200 anos, embora algumas edições subsistam, à guarda da Sociedade Martins Sarmento.

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